São Paulo, domingo, 21 de maio de 1995
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Com inflação não se faz média

ANTONIO KANDIR

No dia 1º de julho, data de aniversário do Real, consuma-se a morte anunciada do IPC-r. A questão está em saber se a indexação formal plena dos salários morre de vez ou se algum tipo de sobrevida lhe será concedida.
No debate em torno dessa questão, identificam-se duas posições básicas. De um lado, os que defendem que o governo limite-se a fixar em lei a proibição de contratos com cláusula de reajuste inferior a um ano (a desindexação valeria para todos os contratos, com manutenção apenas da TR, que a rigor não é um indexador).
De outro, os que julgam inconveniente, senão inviável, a adoção imediata da livre negociação, sugerindo a definição, em lei, de uma fórmula mista de reajuste anual, em parte incorporando a inflação acumulada desde a última data-base, em parte incorporando estimativa da inflação a ser verificada até a próxima data-base.
São dois os pontos fortes do argumento dos que defendem a adoção imediata da livre negociação: i) a permanência de um indexador oficial alimenta a reprodução automática e generalizada, ainda que parcial, da inflação passada e assim perpetua obstáculo à quebra definitiva da inércia inflacionária, não impedindo ademais que os reajustes se façam acima do estabelecido em lei, visto que a fórmula mista é piso e não teto; ii) acresce que a adoção de uma fórmula mista obriga o governo a fazer predições acerca da inflação futura, exercício complicado e arbitrário que encerra um dilema inescapável.
Predições muito otimistas quanto ao comportamento da inflação futura tendem a ser desacreditadas e ter escasso efeito prático, transmitindo ademais a impressão de que se trata de estratégia oblíqua de achatamento dos salários; predições muito conservadoras tendem a ser interpretadas como sinal de falta de confiança na consolidação da estabilidade, estimulando apostas contrárias ao plano de estabilização.
Os defensores da adoção imediata da livre negociação não desconhecem que esta não impede a indexação informal, aliás tampouco a fórmula mista, e também não ignoram os limites impostos pela existência de datas-base e pelo poder normativo da Justiça do Trabalho, que pode arbitrar a reposição integral da inflação passada com base em um índice qualquer.
Seu ponto é outro: querem um sinal definitivo do governo no sentido da desindexação, desobrigando-o de administrar um mecanismo complexo de desindexação paulatina, que tende a gerar perda de credibilidade, elemento decisivo no processo de estabilização. Nessa ótica, o desafio da desindexação não comportaria meio-termo.
Na outra ponta, os que acreditam que a desindexação, na conjuntura atual, possa e deva ser gradual, valem-se dos seguintes argumentos: i) não haveria condições políticas e sociais de promover desindexação abrupta com inflação anual ao redor de 25%; ii) nessa medida, os inconvenientes da fórmula mista seriam superados por eventual conturbação do ambiente político, no exato momento em que está em curso a reforma constitucional, e por eventual exacerbação do conflito social; iii) em contraste, a adoção da fórmula mista, embora de administração complexa, permitiria tornar compatível a desmontagem progressiva do mecanismo reprodutor da inflação passada, indispensável à queda sustentada da inflação, e a garantia de proteção mínima do salário médio real das categorias com baixo poder de pressão.
De quebra, ponto importante para alguns, criaria possibilidade de avanço nas relações institucionais entre governo, trabalhadores e empresários, na medida em que fosse aprovada no Congresso e recebesse adesão dos sindicatos, estabelecendo o terreno de uma política de rendas voluntária.
O debate está apenas começando. Que ele deve ser amplo e aberto, não cabe dúvida. Que os prós e contras de cada alternativa devem ser ponderados, também. Não por outra razão apresentei os argumentos de cada lado. Mas ponderar e debater não significa hesitar.
Graças a muitos avanços acumulados até aqui, temos agora a chance real de vencer batalha das mais importantes nesta longa e dura guerra pela estabilidade econômica. Se queremos realmente alcançá-la, é bom não se esquecer que com certas coisas não se faz média. A inflação é uma delas.

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