São Paulo, domingo, 21 de maio de 1995
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Pesquisador nº 1 do país é argentino

CLÁUDIO CSILLAG
ENVIADO ESPECIAL A PORTO ALEGRE (RS)

O maior cientista do Brasil é um argentino que tem um conselho pronto para seus colegas brasileiros. Ivan Antonio Izquierdo, de 57 anos, acha que os pesquisadores do país devem perder o complexo de inferioridade para fazer boa ciência.
Vindo dele, a orientação deve ser levada a sério. Izquierdo serviu de referência para pesquisadores do mundo inteiro 1.349 vezes entre 1980 e 1993, de acordo com o Instituto para a Informação Científica, dos EUA. Por 1.349 vezes, seu trabalho foi essencial para que novos avanços pudessem ser feitos. Nenhum outro cientista do Brasil conseguiu ser tão citado.
Para ele, o fato de não ter se acanhado na hora de escolher sua área de investigação -Izquierdo trabalha com memória, ``que é um tema importante"- contribuiu para que suas pesquisas se tornassem uma referência para estudiosos do mundo inteiro.
Mais do que referência, seu nome tornou-se respeitadíssimo, uma griffe da bioquímica da memória: editores de revistas científicas do exterior encomendam periodicamente artigos de revisão, em que Izquierdo atualiza seus pares com os mais recentes progressos na área.
``O complexo de inferioridade é o que mais atrapalha o cientista brasileiro", disse Izquierdo, com uma mistura de sotaque gaúcho e castelhano, em seu escritório, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre.
Professor titular de neuroquímica, disciplina que criou, Izquierdo vê os efeitos desse complexo em pós-graduandos e pesquisadores mais jovens, que escolhem temas minúsculos para pesquisa -uma autocondenação à condição de ``cientista minúsculo".
``Eles também não buscam colaborações internacionais, o que é fundamental", diz. ``Sem a cooperação de pesquisadores da Universidade de Buenos Aires, não faríamos nada disso".
Outra crítica de Izquierdo -que se sente meio brasileiro, meio argentino (e é também cidadão brasileiro)- é que o complexo de inferioridade tira a coragem de querer publicar resultados em revistas importantes, as mais lidas e as que oferecem mais chance para os cientistas serem amplamente reconhecidos.
Junto com a coragem, às vezes é preciso também paciência -para enfrentar o preconceito por não ser americano ou inglês.
``Já aconteceu de as revistas exigirem algo que não pediriam nos Estados Unidos, como a foto de um equipamento, para provar que o experimento foi mesmo realizado." Izquierdo conhece vários casos de jovens promissores que abandonaram a carreira por causa desse tipo de dificuldade.
No caso desse médico, formado pela Universidade de Buenos Aires em 1961, as dificuldades serviram principalmente para definir sua carreira.
Em 1973, ano de turbulência política, em que o presidente Juan Domingo Perón volta do exílio, Izquierdo era chefe do Departamento de Farmacologia na Universidade de Córdoba, no norte da Argentina. Seu laboratório era no térreo, e toda semana algum grupo de esquerda ou de direita invadia o local e tomava toda a equipe de refém. Às vezes, os cientistas convenciam os invasores a saírem pacificamente, outras precisavam fugir pela janela. Em uma ocasião, os guerrilheiros quiseram matar, sem sucesso, todos os animais do laboratório, ``vítimas do imperialismo".
A situação não o permitia trabalhar. Quando recebeu um telefonema anônimo, ameaçando sua família de morte, resolveu se mudar para Porto Alegre -cidade de sua mulher, que havia conhecido no Brasil em 1962.
Seu trabalho mais citado é de 1979 (portanto, não consta nos dados obtidos pela Folha, que vão de 80 a 93). ``Foi o primeiro trabalho sobre opióides e memória. Mostrei que uma droga que bloqueia substâncias similares ao ópio no cérebro melhora a memória."
No momento, tenta provar que a base da memória é um mecanismo de transmissão de impulso nervoso entre as células, conhecido por LTP (do inglês ``Long Term Potentiation", potencial de longo prazo).
Publica em média um trabalho a cada mês, que ele mesmo escreve. Junto com os 13 graduandos e pós-graduandos que orienta, consome cerca de 3.600 ratos por ano em seus experimentos. Já publicou 318 artigos, tem mais 10 já aceitos para publicação e 3 esperando resposta dos editores. Além disso, de 1992 para cá começou a escrever ficção -em português.
Após 38 anos de carreira, justifica o ritmo intenso do trabalho pela competitividade na área. ``Temos que ser como um grande piloto de Fórmula 1, como Juan Manuel Fangio", disse, referindo-se ao pentacampeão argentino. E acrescenta: ``Ou como Ayrton Senna."

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