São Paulo, domingo, 21 de maio de 1995
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Descobrindo a pólvora

CLÓVIS ROSSI

SÃO PAULO - Devo confessar que, nesta radiosa manhã de sábado, meu peito está estufado de incontrolável orgulho cívico. Nada como a gente ter um presidente intelectual, repleto de títulos acadêmicos. Só um presidente com tais qualificações seria capaz de descobrir que são ``escorchantes" os juros atualmente em vigor.
Em menos de cinco meses de gestão, o presidente conseguiu detectar um fenômeno que ninguém ainda tinha notado. Não é fantástico?
Agora, é só esperar mais uns cinco meses e o presidente certamente vai descobrir que os juros altos não são culpa nem da ``nova direita" nem da ``falsa esquerda" nem do Lula, do Brizola, do Vicentinho ou da CUT.
Aí, passam-se mais uns cinco meses e o governo já estará em condições de tomar providências contra essa taxa escorchante. Essa é a vantagem de um presidente com ampla formação intelectual sobre outro, como Itamar, que era apenas engenheiro, sem qualquer preconceito ou ofensa.
Itamar, como se sabe, passou seus 27 meses na Presidência reclamando dos juros altos e não conseguiu abatê-los. Bem feito. Quem mandou não estudar na Sorbonne?
Não é apenas a rapidez com que o presidente detecta fenômenos tão complexos e pouco notados pelo público em geral que estufa de orgulho o meu peito verde-anil. É também a sua ternura, imensa ternura.
Veja-se que o presidente justifica os juros ``escorchantes" porque ``não houve compreensão necessária na contenção possível do consumo" ou ``não houve compreensão daqueles que especulam contra o Plano Real".
Maldade dessa gente, puxa. Há até alguns pobres que agora que a inflação caiu querem comer mais de uma vez por dia. Tremenda sacanagem contra o plano.
E os especuladores, claro, vão todos correr à primeira igreja que encontrarem aberta e bater no peito, ``mea culpa", ``mea culpa". É uma gente que se guia só pelos sentimentos, como se sabe, não pelo lucro. E, a partir daí, os juros cairão porque ninguém mais vai especular.

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