São Paulo, domingo, 21 de maio de 1995
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Victoria faz a diferença

CRISTINA ZAHAR

Aos 35 anos, 20 de carreira e 80 filmes, a espanhola Victoria Abril acredita que o ser humano sofre porque não aceita a diferença. "Recusamos o que nos parece estranho, não toleramos vizinhos. Precisamos aproveitar a vida e não passar metade dela a dormir e metade a reclamar".
Seu novo filme, a comédia "Uma Cama para Três", fala de tolerância. Victoria faz Loli, mulher insatisfeita com seu casamento, que se apaixona pela amante do marido.
A atriz falou com exclusividade à Revista da Folha, ao desembarcar no país para o lançamento. A estréia em São Paulo estava prevista para sexta (19).
Estrela de "Áta-me", "De Salto Alto" e "Kika" -do diretor espanhol Pedro Almodóvar-, Victoria não hesitou ao ler o roteiro de "Uma Cama para Três". O título original em francês, "Gazon Maudit", é uma expressão antiga. Significa a "maldição" (leia-se esterilidade) que pesava sobre mulheres homossexuais.

Culto ao corpo
Victoria adorou viver uma lésbica. "É a mulher mais feliz que já interpretei. Há motivos de sobra para invejá-la." É uma história de amor entre mulheres, ``mas diferente de filmes como `Go Fish', para guetos".
Só repetiria a dose para dar uma imagem positiva do homossexualismo feminino. O filme foi bem-aceito na Europa. Só na França, 3,8 milhões de pessoas viram a fita desde seu lançamento, em fevereiro.
Seu próximo projeto é filmar "As Libertárias", do cineasta espanhol Vicente Aranda, em agosto. A história se passa em 1936 e fala das mulheres que lutaram ao lado dos anarquistas, na Catalunha. Aranda é o diretor com quem Victoria fez mais filmes (nove). Isso não quer dizer que ele seja o seu preferido. "É um amigo que me acompanha desde os 14 anos. Faz 20 anos ue não nos largamos. Cresci ao lado dele, física e mentalmente. É meu companheiro de viagem."
Sobre Almodóvar, é econômica. "Ele é possessivo. Ao trabalhar com ele, aprendemos a fazer tudo da forma como ele quer."
Bonita e em forma (48 kg, 1,63 m), Victoria é avessa a dietas. "Como de tudo, meus filhos também. Quero que eles aceitem o que é diferente".
Ginástica, nem pensar. "Toma tempo e enche o saco. É uma coisa umbilical." Mas aprova o culto ao corpo: "Não ao meu, ao dos outros."
Dançarina clássica por formação, Victoria virou atriz por acaso. "Precisava de dinheiro, me apresentei num teste e fui chamada. Na época, só fazia cinema para pagar a dança."

"Hambúrguer não"
Foi descobrir o significado do cinema apenas no quinto filme. "Cinema é tirar férias de si mesmo. Quando você cria um tipo, você se dá férias, é formidável", diz. Para ela, filmar é terapia: "O cinema me poupou horas de análise."
Quando não está em um set, Victoria adora curtir os filhos, de 2 e 4 anos, de sua união com o cineasta francês Gérard Jugnot. Ela recusa-se a chamá-lo de marido, apesar de viverem juntos há 12 anos, em Paris. Outras rebeldias: andar nua em casa e nadar sem biquíni. "Odeio marcas."
Também detesta Hollywood. "Nunca sonhei com isso. Hollywood jamais me ofereceria condições de ter a carreira que tenho hoje."
Sua única experiência com cinema americano foi traumática. Quando atuou em "Johnny Hollywood" (1993), de Barry Levinson, se irritou com a "a falta de relações humanas" em Los Angeles. "É só business."
A aversão aumenta quando o assunto é a supremacia de filmes americanos nas salas européias. "As grandes distribuidoras invadiram a Europa, ocupam 90% das telas. Nossa indústria é aniquilada por americanos, que chegam com grana."
Para ela, a solução é dublar as produções européias em cartaz nos EUA, a exemplo do que ocorre com filmes americanos na Europa. E dispara a metralhadora: "Não sou anti-americana, mas deixem-nos viver. Hambúrguer é legal, mas não todo dia."

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