São Paulo, segunda-feira, 22 de maio de 1995
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Os gurus e a retórica da meia-lógica

LUÍS NASSIF

Em entrevista à edição de domingo da ``Folha de S.Paulo", conhecido guru econômico fez a defesa da atual política de juros altos. Acredita ele que seja precondição de todo plano de estabilização obter equilíbrio fiscal e da balança comercial.
A partir daí, parte para a defesa da atual política de juros, como se fosse o instrumento adequado para atingir esses objetivos. Diz ele:
1) Não se pode baixar as taxas de juros antes de um ajuste fiscal maior e mais profundo e da privatização.
2) Quebras de empresas são decorrências naturais de processos de estabilização. As classes produtoras reclamam porque gostam de economia aquecida.
3) Pode-se manter a atual banda cambial se o governo criar incentivos às exportações ou restrições às importações.
Releve-se, por vício de ofício, essa postura de Deus ``ex machina", a arrogância de banalizar como choradeira a reação desesperada de milhares de pessoas que estão perdendo bens, empregos e vidas inteiras de trabalho por conta dessa irracionalidade.
A entrevista do guru é relevante por demonstrar a faceta menos percebida desse jogo antinacional: o aval técnico dado pelos gurus econômicos a aventuras inconsequentes, a partir de uma retórica sutilíssima, onde jamais mentem, mas jamais contam a verdade por inteiro, para preservar para si o poder de definir decisões que deveriam ser compartilhadas com o conjunto da opinião pública.
Sem futuro
Em pouco tempo a manutenção dessa taxa de juros inviabilizará definitivamente o ajuste fiscal e rapidamente tornará o passivo público superior ao conjunto de estatais a serem privatizadas. E começará a se refletir rapidamente na arrecadação fiscal. É só conferir como será a arrecadação de maio e junho.
A médio prazo, essa política não só não resolve, como aprofunda e inviabiliza qualquer ajuste fiscal futuro.
No plano da balança comercial, a manutenção desses juros dizimará o que restou de exportações de manufaturados. Essas exportações vêm caindo a olhos vistos. Em abril talvez se consiga a redução do déficit comercial para US$ 450 milhões exclusivamente por conta das exportações de soja -que acabam daqui a dois meses.
As exportações de manufaturados foram afetadas por dois movimentos de defasagem cambial: a redução do dólar em 15% e a inflação residual pós-real.
Até agora as exportações de manufaturados não desabaram completamente porque muitas empresas resolveram bancar o prejuízo por algum tempo, para não perderem mercado lá fora, enquanto aguardavam a reversão dessa loucura.
Com o acréscimo adicional de custos, provocado por essas taxas malucas, e perdendo a esperança de uma reviravolta a curto prazo no cenário, a queda das exportações de manufaturados passará a ser geométrica, com todo o componente de quebradeira e desemprego. Em outros tempos, tinha-se recessão interna, mas mantinha-se aberta a porta externa, minimizando seus efeitos. Agora, não. É veneno na veia, direto.
Opções claras
Na entrevista, faltou ao guru apenas explicar o que tem em mente, quando diz que sem privatização e sem política fiscal não se pode baixar os juros. Tem em mente apenas o quadro inflacionário no curtíssimo prazo. É por isso que, em sua longa entrevista, ele jamais se preocupou em descrever o dia seguinte dessa política, pois significaria comprometer seu raciocínio em defesa dessa maluquice.
Se se mantém a atual política monetária e a atual banda cambial, ganham-se alguns meses a mais de inflação baixa. E só. Em contrapartida, joga-se o país em recessão profunda, aborta-se o movimento de modernização registrado pela economia nos últimos anos, destrói-se a estrutura de exportações de manufaturados e inviabiliza-se qualquer tentativa futura de ajuste fiscal. Saque direto contra o futuro.
Como subproduto, dizima-se a estrutura produtiva, abrindo espaço para que esses bancos de negócios, montados em dinheiro externo, e com suas engenharias financeiras, entrem adquirindo companhias industriais grandes a preço de banana, financiando-se nas taxas pagas pelos títulos públicos. Pequenas e médias vão direto para a lata de lixo.
O caminho alternativo é reduzir essas taxas de juros para níveis altos, porém dentro da racionalidade, e proceder ao ajuste do câmbio. Enfrenta-se no curto prazo um refluxo da inflação. Mas preserva-se o país e o Estado para o plano de estabilização definitivo, que virá após as reformas constitucionais.
É bom que o presidente da República se dê conta que persistir nessa política não é suicídio a prazo. A fatura lhe será cobrada daqui a poucos meses, destruindo qualquer veleidade de cacife político para conduzir as reformas.

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