São Paulo, segunda-feira, 22 de maio de 1995
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Evento termina com superficialismos

DANIEL PIZA
DA REPORTAGEM LOCAL

A última noite do Banco Nacional de Idéias, na sexta-feira passada, poderia ser boa ocasião para repensar esse formato conferência & debate. Pois não se saiu de lá com muita coisa além de colocações superficiais, mal-entendidos e perguntas tolas.
O poeta caribenho Derek Walcott decidiu não fazer conferência; pretendia aguardar as perguntas. A noite abriu com o poeta brasileiro Régis Bonvicino lendo sua tradução do poema ``Estrela" de Walcott. Depois Bonvicino convidou Walcott a ler o original em inglês.
Poderia ter continuado assim. Walcott não é um ensaísta como os outros conferencistas do evento, que este ano discutiu ``Multiculturalismo, Transnacionalismo e Sincretismo Cultural" (palavras que, por sinal, não foram pronunciadas na noite de sexta).
E, mesmo que fosse, é preciso ser um orador muito vivo, como o antropólogo Darcy Ribeiro (que falou na quarta), para segurar as pálpebras abertas.
Mas, depois das leituras dos poemas por Walcott e Bonvicino, Haroldo de Campos tomou a palavra -e não largou mais dela. Falou por uma hora sobre o que tem falado por tantos anos.
Começou se referindo a críticos ``primeiro-mundistas" que tratam a literatura latino-americana como mera herdeira da européia.
Atacou, por exemplo, um resenhista norte-americano que chamou ``Grande Sertão: Veredas", de Guimarães Rosa, de ``banana western". Atribuiu a culpa à tradução. De fato, crítico e tradução são precários. Mas Campos foi além: ``Ele não tem direito de opinar sobre um livro escrito numa língua que não conhece".
Também persistiu na idéia de que a América Latina criou uma tradição própria e que essa tradição é a do ``neobarroco" de autores como Lezama Lima e Alejo Carpentier.
Curiosamente, nesse momento não aludiu aos críticos ``primeiro-mundistas" que persistem na idéia de que a arte latina é barroca; ou seja, não lhe ocorreu que o reducionismo, a idéia de que a literatura latina só é original (em relação à tradição ``primeiro-mundista") quando barroca, serve à homogeneização que a crítica, sobretudo a européia, costuma aplicar ao Novo Mundo -como mostrou o linguista Tzvetan Todorov, que falou quinta-feira.
A arte brasileira pode ter desde a estilística contida de João Gilberto ou João Cabral à estética exuberante de Glauber Rocha ou Guimarães Rosa -e nenhum desses artistas é mais ou menos ``brasileiro" do que os outros.
Walcott foi perguntado justamente sobre isso -sobre como encarava a tradição. ``Não vejo a tradição como modelo fixo, não sou um imitador de Homero", disse o autor de ``Omeros" (Companhia das Letras). ``Por mais influências que tenha, minha literatura é essencialmente caribenha."
Esse era o assunto da noite, mas a platéia parece ter deduzido dessa declaração um libelo nacionalista. Aplaudiu e não pediu aprofundamento. Walcott apenas queria dizer que, sendo caribenho, sua literatura só pode ser caribenha.
As perguntas que chegavam à mesa pareciam prontas para ouvir o que Campos queria dizer. ``Não aceito antepassados que me são impostos. Eu invento meus antepassados", disse ele, citando sem dar as fontes (os críticos Walter Benjamin e Ezra Pound).
``Walcott", continuou, ``toma seus precursores dentro de uma perspectiva caribenha, assim como nós recriamos a tradição dentro de uma perspectiva brasileira". Campos só não explicou então qual seria essa perspectiva, mas, pelo dito antes, deu a entender que deveria ser a neobarroca.
Também foi injusto com o crítico americano Harold Bloom, autor de ``Angústia da Influência" (Imago), dizendo que sempre desconfia de ``críticos que chamam mais atenção para as suas idéias do que para os textos".
Campos deveria ler ``Um Mapa da Desleitura" (Imago) e ver que para Bloom um poema só pode ser entendido em relação aos poemas que o originaram. Toda crítica, segundo Bloom, tem de ser ``intratextual": comparação de textos do presente com os do passado. E é exatamente isso o que ele faz com os poemas de Milton, Coleridge, Wallace Stevens e outros.
Houve também a costumeira alegação de Walcott de que ``Omeros" não é um épico no sentido de ``pegar o homem comum e elevá-lo a príncipe". É épico, sim -uma narrativa grandiosa em que a situação histórica é presença constante nos objetivos dos personagens. Mas ninguém estava a fim de aprofundar nada.
É o problema desse tipo de evento. Muitas vezes, como ontem, acaba em troca-troca de bajulação e opinionismo.

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