São Paulo, segunda-feira, 22 de maio de 1995
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Cruz estréia 'gay play' com lirismo e humor

NELSON DE SÁ
ENVIADO ESPECIAL A CURITIBA

Houve bastante riso, algum desconforto, sobretudo por conta da trilha musical, e nada que sugerisse desculpa para censura. ``O Melhor do Homem", que estreou sexta em Curitiba depois de vetada em São Paulo, é aberta, quase explícita nas cenas de sexo homossexual, mas não agride ninguém.
Pelo contrário, lembra ``Angels in America", peça que o diretor Ulysses Cruz já buscou encenar. É quase uma comédia, no texto e sobretudo na direção de atores, na direção da interpretação de Rubens Caribé e do novato Milhen Cortáz.
Com apenas dois personagens, o prostituído Dean e o machista Skyler, a peça tem muito do mundo visitado por Plínio Marcos três décadas atrás, em peças como ``Dois Perdidos numa Noite Suja" e ``Navalha na Carne". Tem muito, principalmente, das novas versões do teatro de Plínio Marcos, como a montagem semicômica de ``Navalha", com Diogo Vilela.
A diferença de ``O Melhor do Homem" é uma pequena fresta de esperança que surge na relação dos dois, com a aceitação por Skyler de seu amor por Dean. Presos numa cela apertada, criminosos ambos, eles têm menos de um minuto de um beijo de amor, numa cena comovente. Uma cena que começa com o pedido de Dean, um pedido repetido pela peça toda, de carinho. ``O que eu preciso de você é simples." Skyler reluta mas acaba por ceder. ``Eu amo você, Dean."
Na intrincada ação da peça, com personagens do que se chama de franjas, borda da sociedade, o amor se confunde com o assassinato. O beijo se transforma em morte, porque é assim que Skyler lida com o amor e porque é o que parece pedir Dean, que teria Aids, como ele diz, insistentemente.
Antes da tragédia, o que não falta em ``O Melhor do Homem" é oportunidade para rir. A exemplo de ``Angels", a peça não teme fazer piada sobre trejeitos homossexuais; ao contrário, arranca o quanto pode das brincadeiras, até nas sugestões de sexo entre os dois, tirando risos do público supostamente mais conservador que acompanha o festival de Curitiba.
É como se a palavra ``gay" -aliás, citada seguidamente pelo diretor, que fala de ``O Melhor do Homem" como uma ``gay play", peça homossexual- recuperasse parte do significado original.
Mas nem tudo é gay ou alegre, em ``O Melhor do Homem". Talvez para não deixar fugir o caráter trágico, o diretor Ulysses Cruz, ao mesmo tempo em que dirigiu os atores no caminho do comicidade e do lirismo pontual, sublinhou nos demais componentes da montagem uma atmosfera sombria.
A trilha é carregada de solos de guitarra, de melodia entrecortada e volume altíssimo, provocando desconforto. Também o cenário, todo de metal, como um vagão rasgado à metade, oprimindo os dois presos como que numa lata de sardinha, acentua o pesadelo.
É como se as piadas da peça, que nem são tantas assim, precisassem trazer um gosto amargo adicional, para ninguém esquecer a mensagem. O efeito é prejuízo para o espetáculo e para o público, que é capaz de raciocínio sem as técnicas do gênero, que reportam ao distanciamento brechtiano.
Um projeto que encontrou em Rubens Caribé e Milhen Cortáz dois intérpretes de grande coragem, para cenas que exigem uma exposição pessoal que a imensa maioria dos atores não aceita. E ambos, cada um à sua maneira, ao seu tempo, revelam-se conscientes e preparados para os papéis.
Caribé melhor nos momentos de lirismo, quando vence um algo excessivo sarcasmo com que desenhou Dean. Cortáz melhor nos seus poucos momentos de humor, quando enriquece em sentido o seu estereótipo do machão de Skyler.

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