São Paulo, segunda-feira, 22 de maio de 1995
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Telejornalismo econômico se afasta do real

ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA

A julgar pelo nosso telejornalismo econômico, estamos sempre na iminência de um desastre. Em questão de dias ou até de horas, passamos de notícias otimistas sobre um crescimento de 10,5% do PIB para assustadoras altas da taxa de juros, que, segundo o ``Jornal da Globo", ``voltam a assustar o país como um fantasma".
No Brasil do real, o drama maior da conjuntura se deslocou da instabilidade econômica típica da cultura inflacionária. Mas o telejornalismo continua dedicando espaço privilegiado à economia, às pequenas oscilações. Ironicamente, longe de elucidativa, a atenção dispensada acaba alimentando a perplexidade dos telespectadores diante dessa economia que aparece como monstro incontrolável.
As notícias, os comentários e os conselhos econômicos se constituem em estrelas de primeira grandeza em nossa televisão. Comentaristas e âncoras opinam em linguagem fácil. Simulando um papo informal, respondem as questões que imaginam na cabeça do ouvinte. Conseguem no máximo orientar o pequeno investidor sobre as vantagens imediatas da poupança, CDBs e fundos de commodities.
Meio dona de casa, meio consultor de investimentos, comentaristas econômicos discutem do salário da empregada à negociação entre petroleiros e governo. Cada vez mais críticos -e novo jornal da Record é um exemplo de capricho analítico-, colocam suas posições e discordâncias quanto ao rumo tomado pelas coisas. Mas, perversamente, o excesso de espaço dedicado às inúmeras siglas e cifras acaba por encobrir aspectos gritantes da conjuntura.
O discurso dedicado a cobrir as novidades que cotidianamente ameaçam a continuidade de mais um plano é inócuo. Ilustrado por gráficos e painéis explicativos, além de rotineiro, ele agora é monótono. Os caracteres na tela acompanham literalmente a exposição feita em ``off". Procuram fixar taxas e siglas. Mas, em meio a variações do PIB, TR, a sensação é sempre de enrolação.
As variáveis da análise econômica contrastam com a estabilidade relativa dos preços. Confirmando o caráter sempre crítico do momento, não faltam referências a botões ou decretos mágicos, mecanismos a serem acionados a qualquer momento por autoridades.
À medida que a noite avança, o privilégio das notas econômicas cresce com o ``Jornal da Globo". Ocupando quase metade de cada bloco, os índices desfilam diante de nossa incompreensão. Afogados em siglas, quase perdemos de vista as enchentes e a greve ferroviária que castigaram o Rio.
Somos brindados com reportagens sobre o aumento abusivo dos salários de serviços domésticos. Para tranquilidade geral, uma compreensiva empregada afirma entender que, nas atuais circunstâncias, seus patrões não podem pagar mais que o salário mínimo.
A crise econômica se naturalizou em nossos telejornais, em uma linguagem imediatista e cifrada. É como se ela fosse tão natural como a ausência de vulcões e terremotos. O formato convencional do telejornalismo econômico não acompanhou nem a estabilidade maior dos índices, nem a explosão das mazelas seculares que afetam o panorama social.

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