São Paulo, segunda-feira, 22 de maio de 1995
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Musa está escrevendo biografia do artista

LUÍS ANTÔNIO GIRON
DO ENVIADO AO RIO

Os nomes ``Rosângela Maria" e ``Rosângela Maria de Jesus" estão bordados em azul e branco por toda a obra em tecido de Arthur Bispo do Rosário, inclusive no forro do ``Manto da Apresentação".
Rosângela faz parte da mitologia da Colônia Juliano Moreira. Seu nome surge sempre nas conversas de médicos e doentes.
Ela foi a musa do artista no final da vida. Trabalhou como estagiária de psiquiatria entre 1981 e 1983 no pavilhão 10. Bispo era um de seus pacientes e se apaixonou por ela, num processo que os psiquiatras chamam de ``paixão transferencial".
O caso ficou tão famoso que inspirou o filme ``O Bispo do Rosário", estrelado por Cristiane Tornloni e Rubens Corrêa e exibido na Rede Manchete em 1993.
Hoje, aos 38 anos, Rosângela Maria Magalhães, psicóloga, está escrevendo a biografia do paciente. ``Fui a única pessoa que teve acesso a ele", diz. ``Ele não falava com ninguém até me conhecer."
O livro tem 50 páginas manuscritas, que Rosângela escreve de forma esparsa. Ainda não pensou em procurar editora.
Entre as revelações que pretende fazer, vai atribuir a morte do artista, por broncopneumonia, à umidade do seu quarto-forte.
``Muitos dos problemas de saúde dele advieram das infiltrações", diz. ``Aquela cela em que ele morava era a pior, cheia de goteiras e com portas de ferro. Ele passava dias e dias sem falar com ninguém, sem comer, em delírio."
A psicóloga avalia como péssimas as condições da colônia. ``Na minha época ainda havia estagiários, embora a situação física do espaço fosse ruim. Hoje a coisa piorou e os doentes ficam sem orientação, soltos como animais."
Ela vê o relacionamento com Bispo como importante para sua formação. ``Para ele também foi bom porque começou a dar fortes sinais de lucidez e sua obra ficou mais ligada à realidade."
Bispo fantasiava a estagiária como solteira e virgem. Na época, ela já era casada com filhos. ``Ele me via como a virgem Maria e me chamava de Maria sem saber que o meu segundo nome era esse."
Lembra que Bispo enfeitou seu catre com laços e bordados e chamou-o de ``cama de Romeu e Julieta". ``Ele me queria naquela cama. Passou a dormir fora dela para me esperar. Era a forma que ele encontrava para me inserir na obra dele."
A loucura, acha, foi fundamental no processo criativo de Bispo. Ele lhe presenteou com diversas obras. Conservou só uma, uma reprodução de quadro com interferências. Mostra três meninos; um deles, negro, está acorrentado.
``É uma imagem significativa. Foi acorrentado que ele deu início à obra. Começou com o que tinha. Desfiou o uniforme azul de doente mental (usado até hoje na colônia) e bordou com a linha o lençol com que dormia."

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