São Paulo, segunda-feira, 22 de maio de 1995
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O drama do goleiro

MARCELO BERABA

O brasileiro vem vivendo, nos últimos 10, 15 anos, uma sequência de decepções.
Foi assim com a eleição de Tancredo e sua morte, com o Plano Cruzado e seu fracasso, com os vários planos estéreis que seguiram o Cruzado, com a Constituição milagrosa de 88, com a ascensão e queda de Fernando Collor de Mello.
Esperança e desilusão, engajamentos e desencantos. Assim vamos fazendo a história, pendularmente. O que nos salva da depressão abissal, do niilismo e da nulidade, é que esses momentos intensos, mas fluidos, são intercalados por fatos concretos, documentados, arquivados, referências inquestionáveis que nos ancoram quando o vendaval parece definitivamente nos arrastar.
O grande problema é quando a história oficial é revista e também os fatos começam a nos faltar. Foi o drama que corroeu, por exemplo, a fé dos comunistas a partir de 1956, quando foi iniciada a revisão do stalinismo.
O século 20, pelos recursos tecnológicos que desenvolveu, pela expansão do conhecimento, pela vulgarização da iconoclastia, é o século da revisão histórica e, portanto, do desamparo.
Tanta relativização já deveria ter nos criado uma couraça impenetrável, capaz de nos preservar de qualquer desilusão. Mas não é assim. A história continua a desabar sobre as nossas cabeças.
Veja o drama do ex-goleiro Andrada. Aos 56 anos, ele tinha apenas uma certeza na vida: entrara para a história porque engolira o milésimo gol do Pelé.
Vai um repórter, Deus sabe inspirado em quê, e resolve recontar, um a um, todos os gols do artilheiro. E descobre que o Andrada não engoliu o milésimo.
O ex-goleiro devia estar, nesta altura do campeonato, preparado para tudo. Menos para o choque da nova verdade.
Sua surpresa e seu inconformismo merecem ser reproduzidos, porque captam o flagrante do desmoronamento.
Palavras suas ao repórter Rodrigo Bertolotto, da Folha: ``Não acredito que vão me tirar até isso. Eu vivi o milésimo gol e ninguém pode tirar isso de mim. Todos os sentimentos daquele dia são parte da minha vida. (...) O gol do Maracanã é muito concreto e não se deve mexer com fatos como esse".
Talvez tenha razão.

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