São Paulo, terça-feira, 23 de maio de 1995
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Família substitui Estado e 'adota' indigente

ANDRÉ LOZANO
DA REPORTAGEM LOCAL

Família substitui Estado e `adota' indigente
`Comunidade socialista' abriga mendiga no quintal; governo diz que remoção só ocorre após início da Operação Inverno
Uma família de Santana (zona norte de São Paulo) está solicitando há dez dias ao Estado que recolha uma mendiga que está dormindo no quintal da sua casa. Durante esse período, a encadernadora Cláudia Ferraz, 32, ligou várias vezes ao Cetren (Centro de Triagem e Encaminhamento) e à Defesa Civil, que nada fizeram.
Junto com Cláudia moram um irmão, a mãe e mais três amigos da família, que pagam um aluguel simbólico para habitar na casa.
A encadernadora define sua família como ``socialista", e diz que o lar é uma ``comuna". Cláudia e seu irmão trabalham como encadernadores na própria casa - um misto de oficina e residência.
A preocupação de Cláudia é que a indigente morra, pois aparenta estar muito doente e seu estado de saúde pode se agravar, devido ao frio dos últimos dias.
A mendiga Maria Lúcia, 43, se instalou à porta da casa de Cláudia na noite do dia 12, sexta-feira. Na última terça-feira, como a mendiga continuava no local, Cláudia resolveu comunicar o Cetren, à noite. ``A pessoa que me atendeu disse que o veículo usado para recolhimento de indigentes não estava disponível e pediu para eu ligar para a Defesa Civil", disse ela.
No dia seguinte, Cláudia ligou para a Defesa Civil, que informou não ter competência para fazer o serviço e que só poderia cooperar no recolhimento de mendigos a partir de 1º de junho, quando começa a Operação Inverno.
``Isto significa que até essa data, os mendigos que estiverem morrendo na porta da casa das pessoas não poderão ser removidos", afirmou Cláudia.
``Nós aqui em casa somos socialistas, mas não temos como recolher essa pobre mulher, porque isso é um dever do Estado. Estamos preocupados com sua saúde e não queremos ter uma pessoa morta em nossa porta", disse.
As ligações de Cláudia e as recusas de atendimento dos dois órgãos ocorreram até a última sexta-feira. Neste dia, a reportagem da Folha ligou para o Cetren -passando-se por parente de Cláudia- e solicitou o recolhimento da mulher. O órgão voltou a informar que não tinha condições de apanhar a indigente.
Foi explicado que a mendiga aparentava estar passando mal. O Cetren afirmou que era preciso ligar para a Guarda Civil Metropolitana. Nova ligação foi feita e a Guarda Civil disse que não era de sua competência recolher indigentes da rua. O oficial pediu que a reportagem entrasse em contato seus superiores, que informaram que tentariam apanhar a mulher ainda naquele dia.
Até ontem, três dias após o contato com a GCM, a mendiga não havia sido recolhida.
A Defesa Civil também se negou a resolver o problema, alegando que o auxílio a mendigos só vai ocorrer a partir do próximo dia 1º.
A assessoria de imprensa da Secretaria da Criança, Família e Bem-Estar Social informou que até o próximo dia 1º as solicitações de recolhimento devem ser feitas pelo telefone 190 da PM.

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