São Paulo, quarta-feira, 24 de maio de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Numerologia e pseudociência

MARCELO SAMUEL BERMAN

Recente levantamento dos ``mais importantes cientistas brasileiros", efetuado pela Folha, se reveste de simplória aplicação de um índice numérico (número de citações) para avaliar ``quem é a elite científica brasileira".
Se fosse tão simples a numerologia, então ter-se-ia, pelo menos, 18 prêmios Nobel no Brasil. De fato, a Argentina, com um sexto da população brasileira, possui cinco prêmios Nobel: Adolfo Perez Esquivel, Bernardo Houssay, Luis Federico Leloir, Samuel Milstein e Carlos Saavedra Lamas. Seis X cinco = 30?! Entretanto, não há nenhum.
Qualquer leigo pode verificar que a lista não é completa. Pergunta: alguém ganharia o prêmio Nobel da Física no Brasil? Respondo: se há alguém em condições, é o dr. Odylio Denys de Aguiar, engenheiro, responsável pelo projeto brasileiro de uma antena para a detecção de ondas gravitacionais! Tem ele muitos artigos publicados? Não. Citações, não. Porém, se se detectarem as ``ondas", ele terá de marcar passagem aérea para Estocolmo!
Mas, detendo-nos na lista dos ``importantes", noto vários ausentes, numa análise liminar: Isaías Raw, José Fernando Perez, Wrezinsky, Mário Novello, Murari Mohan Som, Antônio F. da F. Teixeira e Newton A. C. da Costa.
Como sou físico teórico, não vou falar do prof. Isaías Raw. Como sou um relativista, não devo entrar em detalhes sobre os profs. Perez e Wrezinsky, do departamento de Física Matemática do Instituto de Física da USP (Universidade de São Paulo).
O prof. Newton Afonso Carneiro da Costa é o maior lógico-matemático da América Latina, foi meu professor de matemática em Curitiba, mas, como não é da minha especialidade, deixo a cargo de seus pares os comentários sobre ele.
Antes de falar sobre os outros mencionados acima, vou dar ao leitor uma idéia de quem sou eu. Fiz o curso de engenharia eletrônica no ITA (Instituto Tecnológico da Aeronáutica), onde também concluí o mestrado. Fiz meu doutorado na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), pós-doutoramento na Universidade da Flórida (EUA), onde lecionei ``Teoria da Relatividade Geral". Lecionei também na Universidade do Alabama (EUA).
Como não dediquei toda minha vida profissional à ciência, tenho apenas 45 artigos de pesquisa na área de cosmologia relativística publicados em revistas especializadas que só aceitam artigos depois de ouvidos ``referees".
Tenho 51 artigos de divulgação científica e dois livros científicos publicados, juntamente com o prof. Fernando de Mello Gomide, pela McGraw-Hill em São Paulo.
Sou membro da American Physical Society, American Astronomical Society, New York Academy of Sciences, Institute of Electrical and Eletronics Engineers (senior member) etc.
Tenho sido listado em sucessivas edições nas publicações americanas ``Who's Who in the World", ``Who's Who in America" e ``Who's Who in Science and Engineering".
Não sei quantas citações têm os meus ``papers", mas o maior cosmólogo europeu, o professor Herman Bondi, da Universidade de Cambridge (Reino Unido), escreveu um artigo ``Note on a paper by Berman", estendendo uma teoria de minha autoria. Como diria o rabino Nilton Bonder, sou um ``Idishe Kop".
Mas voltemos ao ``listão" da Folha. Os dois relativistas que constam são o professor Patrício S. Letelier, da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), e Nilton Santos, do Observatório Nacional. Mereceram! Aliás, na última quinta-feira, o professor Letelier esteve em São José dos Campos (SP) a meu convite e deu dois seminários, um no Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), outro no ITA.
O professor Letelier sem dúvida é um dos mais importantes relativistas brasileiros. Porém não é o único: o professor Mário Novello, chefe do grupo de cosmologia do CBPF (Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas), possui cerca de 60 artigos internacionais e um livro publicado na França.
É ainda responsável pelas famosas ``escolas" de gravitação e cosmologia, que se realizam no Rio de Janeiro e atraem frequentadores do mundo todo. Antônio F. da F. Teixeira, também do CBPF, deve ter o mesmo número de trabalhos publicados (60).
Quanto ao maior físico relativista do Brasil, o professor dr. Murari Mohan Som, com 90 artigos internacionais em relatividade geral e cosmologia, me sinto bem à vontade para falar: fui aluno dele, hoje sou seu colaborador e amigo pessoal. O professor Som, do Instituto de Física da UFRJ, tem trabalhos publicados com o famoso físico A. K. Raychandhuri, e formou dezenas de doutores que hoje brilham na cosmologia e relatividade geral, como o próprio Antônio F. da F. Teixeira, Nilton Santos e Antônio José Accioli (Unesp -Universidade Estadual Paulista).
``Last but not least", quanto à numerologia, seria melhor que a deixássemos para os estudiosos da ``Cabala" -não para determinar quem é quem na ciência brasileira.
PS - Se eu deixei de mencionar alguém que deveria, desculpem-me pela omissão.

Texto Anterior: Maturidade produtiva
Próximo Texto: Petroleiros; O leão e a informática; CUT; Solidão; Jimmy Carter; Maluf e o cinto; Juízes; Cafundó
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.