São Paulo, quarta-feira, 24 de maio de 1995
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O Ébola e o Brasil

CLÓVIS ROSSI

O Painel desta Folha registrou ontem piadinha que circula em parte da equipe econômica, como resposta às críticas cada vez mais estridentes contra os juros que o próprio presidente considera ``escorchantes".
``É como o Ébola. Vem, fica na imprensa uma semana e depois vai embora", comenta-se na equipe.
É um belo retrato, ainda que, infelizmente, anônimo, do estado de espírito que costuma assolar os governantes brasileiros. Talvez a crítica aos juros de fato fique uma semana na imprensa e depois vá embora. Mas, como o Ébola, o mortal vírus que assola o Zaire e assusta o mundo, mesmo que o assunto suma das páginas da imprensa, deixará mortos e feridos graves. Pena que a existência de vítimas não pareça incomodar minimamente os governantes.
O empresário Boris Tabacof, titular do Departamento da Economia da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), faz a propósito um comentário muito adequado: ``É esquisito que se soltem foguetes em Brasília quando surge algum índice ruim sobre a economia".
Aliás, é um vício que já vem da equipe econômica anterior: em dezembro, festejou-se em Brasília o fato de o país ter passado a comprar mais do que vender no exterior (o tal de déficit comercial).
Resumo da ópera: entra plano, sai plano, o Brasil não conseguiu ainda montar o círculo virtuoso de crescimento com baixa inflação. O país já foi capaz de desafiar a ortodoxia dos manuais, ao crescer muito mesmo com alta inflação. Já foi também capaz de ser coerente com os mesmos manuais, ao segurar a inflação graças a uma forte recessão.
Mas a verdadeira mágica, a do crescimento com inflação baixa, essa ainda não foi praticada.
O Brasil está preso ao se correr o bicho pega, se ficar o bicho come. Se a economia disparar, não há oferta que atenda a demanda. Logo, tome inflação. Se a economia capotar (agora, um risco mais ou menos iminente), segura-se a inflação, mas a um custo elevadíssimo, em um país que nem precisa ser alcançado pelo Ébola para sangrar pelas suas inúmeras feridas sociais.

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