São Paulo, quinta-feira, 25 de maio de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Leonardo Boff ataca nova direção da Igreja

ELVIS CESAR BONASSA
DA REPORTAGEM LOCAL

O teólogo Leonardo Boff disse que a eleição de d. Lucas Moreira Neves (arcebispo de Salvador) para a presidência da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) indica que a entidade cedeu às pressões do Vaticano.
Boff é um dos principais teóricos da Teologia da Libertação, pensamento do setor ``progressista" católico que procura aliar a evangelização (divulgação das palavras de Jesus Cristo) ao engajamento político-social.
Em 1992, Boff deixou o sacerdócio depois de ter sido censurado pelo Vaticano em razão da divulgação de suas reflexões críticas sobre a tradição católica.
As declarações foram feitas na noite de anteontem, ao final do debate ``O Desejo", promovido pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica) e pela Folha, em um auditório da universidade.
Na oportunidade, Boff atacou o novo presidente da CNBB: ``D. Lucas Neves devia andar curvado, porque passou a vida inteira lambendo as botas dos outros".
O ex-sacerdote se referia à atuação do arcebispo de Salvador durante o regime militar (período de 1964 a 1985, no qual o Brasil foi governado pelas Forças Armadas).
``Eu me espanto com isso. Ele teve irmãos (companheiros) torturados, foi visitá-los na prisão, viu as suas chagas e, quando foi testemunhar, calou-se", afirmou o teólogo, numa referência aos religiosos presos durante o governo militar. ``Não se faz isso a um irmão."
Entre as 20h40 e 22h40, o debate foi transmitido pelo canal 32 da TV a cabo NET. Após o fim da transmissão, o público pôde fazer perguntas. E foi então, já fora do ar, que Boff fez seus ataques.
Durante o debate, já havia feito uma provocação: ``O Brasil é o maior país latino do mundo. A nova Roma será aqui. Por isso, deveria haver um papa brasileiro, desde que não seja d. Lucas Neves".
O tom jocoso foi abandonado depois. Fora do ar, Boff analisou a atuação política do Vaticano em relação à Igreja brasileira.
Comentou, por exemplo, a sua condenação em 1985 ao chamado ``silêncio obsequioso" -proibição de dar declarações públicas sobre questões de fé, lecionar teologia e publicar livros.
``Na época, aceitei, porque o Vaticano sempre bate no saco para acertar no burro. Eu era o saco, a CNBB, o burro. Queriam acertar a CNBB através de mim", disse. ``O Vaticano tem sempre uma só intenção, que é a segunda."
Mas, disse o teólogo, ``eu nunca falei tanto na minha vida quanto naquele ano". Usava prerrogativa do direito canônico, que permite ao padre falar nas missas, para pregar suas idéias.
``Eu fazia homilias (sermões) de duas horas. Ia a retiros e celebrava missa durante o dia inteiro", revelou, rindo de seu estratagema.
Boff disse que, durante o regime militar, a CNBB tentava lutar pela democratização, mas o Vaticano fazia ``o jogo dos militares".
Na avaliação do teólogo, o peso de d. Lucas na entidade será contrabalançado pelos outros 11 bispos que compõem a direção.
``D. Lucas quer ser o xerox do Vaticano. Ele acredita que Roma tem uma palavra direta à Igreja brasileira. Mas eu acredito na conversão de d. Lucas", afirmou.

Outro lado
A assessoria de imprensa da CNBB informou ontem, por telefone, que não haveria ninguém para responder às afirmações de Boff contra d. Lucas. O presidente da CNBB está em viagem a Roma.

LEIA MAIS
Sobre o debate ``O Desejo" à pág. 5-5

Texto Anterior: TSE reúne comissões da reforma política; FHC revê anistia de servidores demitidos; Governo estuda reduzir encargos sobre salários; Prefeitos discutem reforma tributária
Próximo Texto: Britto faz campanha publicitária sem licitação
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.