São Paulo, quinta-feira, 25 de maio de 1995
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``Salam Cinema" terá distribuição mundial

LEON CAKOFF
ESPECIAL PARA A FOLHA, DE CANNES

A produtora francesa MK2, a mesmo da trilogia das cores de Krzysztof Kieslowski, anunciou ontem a aquisição dos direitos mundiais de distribuição de ``Salam Cinema", do iraniano Mohsen Makhmalbaf.
O cineasta terá também produção francesa para o seu próximo filme. É uma grande vitória para Makhmalbaf, em quem o Festival de Cannes apostou alto, apesar da tentativa das autoridades islâmicas do Irã de proibir ``Salam Cinema" (Viva o Cinema).
``Salam Cinema" é um documentário feito a partir de testes com atores amadores. Só entraram no filme de Makmalbaf os testes daqueles que foram recusados.
O cineasta que foi entrevistado pela Folha em fevereiro passado em Teerã, ocasião em que seu filme sofreu um corte de dez minutos imposto pela censura iraniana.
A censura permanece no Irã. O trecho vetado mostra uma personagem de ``Salam Cinema", que faz os testes de atriz e confessa que só quer entrar no mundo do cinema para ter um visto, sair do país e torcendo para o filme ser selecionado em Cannes. O filme foi, ela ficou.
Como o cinema neo-realista do pós-guerra italiano, como o Cinema Novo nos primeiros anos do regime militar brasileiro, o cinema iraniano desponta como o sopro novo no front cinematográfico.
Abbas Kiarostami é o seu expoente máximo, sob contrato para mais três filmes com produção da Ciby 2000, também francesa. Em 96, Kiarostami pretende filmar um longa em São Paulo que já batizou de ``The Good, Good Citizen".
Em sua edição especial para Cannes, o diário francês ``Le Monde" lembra que sempre tem um cineasta que pilota a descoberta e abre o caminho para a revelação da cinematografia de um país. E cita como exemplos Kurosawa para o cinema japonês, Glauber Rocha para o brasileiro, Milos Forman para o tcheco e agora Kiarostami para o Irã.
Graças a Kiarostami, começam a ruir agora os impedimentos para que seu ``enfant terrible" Makhmalbaf tenha livre expressão. Ressoam ainda os conselhos dados pelo Ministério da Cultura Islâmica do Irã, em janeiro passado, uma semana antes da inauguração do Fajr Film Festival, que mostrou ``Salam Cinema" pela primeira vez, censurado.
``Os dirigentes religiosos não são contra o cinema com a condição de que ele apresente uma ética islâmica, sem prazeres carnais ou artifícios como o álcool (...) que ele glorifique se possível a revolução (islâmica) e, sobretudo, que ele não condene o regime", disse um membro do governo.
Makhmalbaf disse à Folha em Teerã que o fenômeno de histeria coletiva que o cinema provoca em seu país se deve ao fato de as pessoas terem se desiludido com as promessas da revolução islâmica.
``Salam Cinema", de fato, registra o esforço de pessoas comuns desesperadas para sair das trevas do anonimato. O que faltava na história do cinema era justamente isso: um documentário realista sobre os excluídos deste paraíso de sonhos, tentações, belezas e muito ``happy end", que é o cinema. ``Salam Cinema" é uma homenagem aos perdedores de cem anos de vaidades e veleidades.
Ao filmar 12 horas de entrevistas com os candidatos ao paraíso do cinema (a versão do filme em Cannes tem 75 minutos e outra de três horas será mostrada no Festival de Locarno), Makhmalbaf diz com o seu filme que o paraíso não existe. Dá para entender porque a censura religiosa quer banir o seu cinema.

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