São Paulo, quinta-feira, 25 de maio de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Angelopoulos se torna o favorito com o oportuno `Olhar de Ulisses'

AMIR LABAKI
ENVIADO ESPECIAL A CANNES

O longo drama ``O Olhar de Ulisses" do diretor grego Theo Angelopoulos tornou-se ontem o novo favorito, ainda que provisório, para a Palma de Ouro deste 48º Festival Internacional de Cinema em Cannes.
Mas os três últimos dias da competição ainda prometem, sobretudo com ``Underground" de Emir Kusturica e ``Homem Morto" de Jim Jarmusch.
Angelopoulos escalou Harvey Keitel (``Cães de Aluguel") como seu alter ego, o cineasta grego A., que retorna à sua Grécia natal depois de 35 anos de auto-exílio nos EUA. A exibição de um filme maldito dirigido por ele detona a viagem. É apenas a desculpa.
A. na verdade volta para uma longa odisséia (dai o título) pela conturbada região dos balcãs (Europa central). A pesquisa externa é tão importante quanto o balanço interno do cineasta. Angelopoulos recorre a esta conhecida estrutura para tratar da guerra civil na ex-Iugoslávia e do centenário do cinema. Mas é um filme oportuno e não oportunista.
O motor concreto da viagem é uma obsessão do cineasta. Três latas de filmes inéditas dos pioneiros do cinema grego, os irmãos Yanakis e Miltos Manakia, rodadas na mesma região no início do século, estariam perdidas em algum arquivo de filmes da área.
A. vai buscá-las, mesmo tendo que atravessar zona de conflito aberto. Entre outros lugares, passa pela Albânia, Macedônia e a Bulgária, adentra a Romênia e retorna em direção ao coração da guerra que dilacera a Europa: Sarajevo.
``Nosso século começa e termina em Sarajevo", afirma Angelopoulos em Cannes. A cidade mesma surge nas telas com toda a dramaticidade de seus esqueletos de prédios. É a parada final. Uma orquestra multiétnica que toca nos raros momentos de cessar-fogo vem representar a utopia pacifista de Angelopoulos para a ex-Iugoslávia. Reconheça-se: não é exatamente uma imagem original.
Em seu trajeto, A. reencontra seu passado, descobre os filmes históricos e desespera-se com a humanidade. Quase em cada parada, a atriz Maia Morgenstern representa camaleonicamente as amantes de sua vida. Por sua vez, cabe ao bergmaniano Erland Josephson encarnar o diretor da cinemateca de Sarajevo que resgata o tesouro dos irmãos Manakia.
Mas é difícil falar em personagens em ``O Olhar de Ulisses". Mesmo o quase monopolista A. desenvolve-se pouco apesar de revelar muito de seu passado. É esse um dos pontos fracos do filme de Angelopoulos. A distância que mantemos frente a ele, a pouca emoção que nos passa, deve muito a esta tipologia pouco profunda.
O conjunto do projeto, porém, acaba por se impor. Angelopoulos lembra Godard ao relativizar a relevância da comemoração do centenário do cinema. Seu filme berra: importante mesmo é o que acontece na ex-Iugoslávia. Há ao menos um momento antológico, uma longa cena, câmera parada, em que mais de uma década fundamental da história da região no imediato pós-guerra, é tragicomicamente encenada numa festa na sala dos pais do diretor.

Texto Anterior: ``Salam Cinema" terá distribuição mundial
Próximo Texto: Zhang Yimou perde impacto com `Shangai'
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.