São Paulo, quinta-feira, 25 de maio de 1995 |
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A voz das pedras
CARLOS HEITOR CONY RIO DE JANEIRO - Todo mundo entende, menos eu. Leio nas folhas, vejo na TV, que o Brasil nunca esteve tão bem, com as contas em dia, os índices de crescimento subindo, o mundo pasmo, admirando a sabedoria com que estamos sendo guiados no caminho dos gigantes, com direito ao Conselho de Segurança da ONU, aos convescotes do G-7, onde são decididas as pinimbas do resto das nações que não cheiram nem fedem, ou geralmente fedem.Também no plano social, segundo ouço Dona Ruth e suas assessoras mais graduadas, vivemos no limiar do paraíso, é só acabar esse ciclo de colóquios, seminários, simpósios e laboratórios que logo logo não haverá fome nem doença no país. Ao mesmo tempo que o mundo oficial bombardeia a mídia com tão emocionantes novas, leio que a taxa de inadimplência, nas empresas e nas pessoas físicas, também cresce a cada dia. A violência nas grandes cidades desafia o Estado criando um Estado à parte, com seus regulamentos e, sobretudo, com suas armas. O Ministério da Saúde declara o óbvio: que o sistema está falido, o pouco que ainda funciona não aguenta o segundo semestre, a menos que seja ressuscitado o IPMF. Ainda bem que, pelo menos no Palácio do Planalto, com o reforço do Fundo Social, não falta sobremesa. Nada de suntuoso, apenas a banal goiabada cascão, de boa procedência. Também os ministros colaboram em espírito de abnegação: estão sempre viajando, em missão de sacrifício, mas o fazem espartanamente, até devolvem o dinheiro das diárias. Os dois países convivem amistosamente num só. Aos domingos, extensos artigos dos mais finos sociólogos e economistas explicam que tudo está ótimo. E ameaça ficar mais ótimo tão logo a Constituição seja reformada. Só eu não entendo a bonança, o clima de bem-aventurança, de leite e mel, fartos, correndo das tetas neoliberais do governo. Lamento de coração a pedra que atingiu Ana Tavares. Lembro seu pai, a grande figura humana que foi Tavares de Miranda, com sua gravata, seu terço. Ele também não deveria entender aquela pedra -a filha de forma alguma a merecia. Mas atribuir a pedra ao ressentimento político é fácil. Tão fácil que também não dá para entender. Texto Anterior: Fomos incompetentes Próximo Texto: Brasília, urgente Índice |
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