São Paulo, sexta-feira, 26 de maio de 1995
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D. Sebastião e a reunião de Carajás

LUÍS NASSIF
D. SEBASTIÃO E A REUNIÃO DE CARAJÁS

A famosa reunião de Carajás, em junho de 1986, foi sem nunca ter sido. Poucos sabem do que se tratou na reunião. Mas firmou-se no imaginário popular a crença de que a reunião poderia ter salvo o Cruzado.
Hoje há uma multidão de neo-sebastianistas -basicamente lotados na imprensa- que acredita piamente que, dia desses, um economista yuppie descerá diretamente de Carajás, em seu Porsche de corrida, para preparar a revanche do Cruzado.
A grande maldição dos anos 80 não foi Sarney, nem a classe política. Foi a superficialidade dos pacotes econômicos e a mística que envolveu os pacoteiros.
É enorme bobagem enquadrar todos os planos de estabilização na categoria de neoliberais -como pretende parte da esquerda. Ou supor que tudo o que dói cura -como acreditam alguns basbaques da mídia, que fariam melhor em entregar suas operações de safena nas mãos de um estripador de frangos.
Há planos que, mesmo não sendo de estabilização, fazem países avançar. Há planos de estabilização que consolidam avanços. E planos que perpetuam a desorganização na economia. Todos fazem doer.
Com todas as imprudências cometidas na área cambial, o segundo governo Vargas doeu, mas ajudou a lançar as obras de infra-estrutura que prepararam o grande salto de industrialização dos anos 50. Mesmo com sua crônica irresponsabilidade orçamentária, o governo JK mudou a agenda do país. E doeu depois.
Com todo o componente autoritário, o período 64-66 permitiu à dupla Campos-Bulhões fazer doer, mas também lançar o mais bem-sucedido programa de estabilização da história. Apesar do sacrifício inicial imposto aos mais pobres, as reformas chilenas ajudaram a viabilizar um país.
Projeto de país
Em todos esses casos, havia como pano de fundo um projeto claro de país e a busca de saídas para pontos que realmente contam na construção da economia: a criação de mecanismos de financiamento, a consolidação do mercado de capitais, a reorganização da política de comércio exterior, a viabilização de investimentos em infra-estrutura, a racionalização dos tributos etc.
Mas o que a tecnologia dos pacotes e seus profetas agregaram ao país e ao estudo da economia em 15 anos de experimentalismo? Nada.
Quando se preparou a troca de moedas do real, todas as avaliações indicavam que se tinha o melhor conjunto de circunstâncias favoráveis na economia para um plano de estabilização. Confira:
1) Maior nível de reservas cambiais da história -possível apenas depois que o economista Ibrahim Eris reformulou a política cambial brasileira. 2) Uma economia aberta e superavitária -a partir da reestruturação do comércio exterior e de um programa de abertura planejada da economia. 3) Uma economia desregulamentada -depois do fim da reserva de mercados e de um sem-número de restrições à livre competição. 4) Empresas brasileiras reestruturadas e ingressando firmemente em projetos de modernização -processo iniciado com o Plano Brasileiro de Qualidade e Produtividade (PBQP) e com as câmaras setoriais. 5) Programas de investimento em quase todos os setores -assegurados pela manutenção das regras do jogo por quatro anos. 6) Relativo consenso sobre reformas fundamentais. 7) Equacionamento da dívida interna, ainda que às custas da violência do bloqueio dos cruzados.
Com toda essa enorme agenda, em 20 anos tudo o que nossos gurus lograram produzir foram estudos recorrentes sobre troca de moedas -a parte mais espetaculosa e superficial de um plano.
Com apenas 18 meses com a economia de volta às mãos dos pacoteiros, e apenas com sua capacidade de brincar de fliperama com as políticas monetária e cambial, tem-se: 1) O país em nova crise cambial. 2) A volta de alíquotas superprotetoras em muitos setores. 3) Crescimento exponencial da dívida interna, comprometendo o futuro ajuste fiscal. 4) Uma multidão de empreendedores arrependidos até a medula dos ossos por terem apostado no país e programado investimentos.
Mesmo assim, recebem olhares embevecidos de analistas rasos, que conclamam, com um frêmito nelsonrodriguiano: o plano é bom, porque faz doer.
Todo o ouro de Carajás não vai pagar o que o país ainda vai sofrer por causa da reunião de 1986.

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