São Paulo, sexta-feira, 26 de maio de 1995
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Filme de Godard polemiza centenário

AMIR LABAKI
DO ENVIADO ESPECIAL

Cannes assistiu a première mundial e a TV franco-germânica arte exibe hoje ``Deux Fois Cinquante Ans de Cinéma Français" (Duas Vezes Cinquenta Anos do Cinema Francês).
O filme foi realizado por Anne-Marie Miéville e Jean-Luc Godard dentro do projeto ``O Século do Cinema" do British Film Institute (BFI).
É uma produção bastante inferior à média recente de Jean-Luc Godard (``JLG/JLG"). Transcende contudo seus problemas. Godard lança o mais forte torpedo em direção às comemorações do centenário do cinema.
Todo o impacto do filme concentra-se na primeira parte. Godard reúne-se num hotel com o ator Michel Piccoli, presidente da Associação Primeiro Século do Cinema, que organiza os eventos na França. Não pestaneja em colocar radicalmente em xeque a nova função de seu intérprete em ``O Desprezo".
``Por que celebrar o cinema? Ele já não é bastante célebre?", começa Godard.
Piccoli mal tem tempo de balbuciar a explicação de que celebram-se os cem anos da primeira projeção pública em Paris em 28 de dezembro de 1895.
Godard retruca de pronto: ``Então é a exploração do filme que vocês celebram, e não sua produção". Longe de qualquer puritanismo, o diretor de ``Acossado" diz só querer precisar as coisas e nada ter contra a presença do capital no filme.

Cinema mortal
Godard pergunta a seguir se, ao contrário de concentrar num ano comemorações esparsas do cinema, não seria mais produtivo, ``como Lewis Carroll, comemorar diariamente o desaniversário".
As armas voltam-se, então, contra o preconceito e a nostalgia: ``Não dizemos um `velho livro' para evocar Shakespeare ou Virgílio ,mas falamos `um velho filme' para uma fita de Griffith ou `Napoleão'. O cinema é mortal, portanto, é normal que ele pare".
Enquanto Godard e Piccoli debatem, alternam-se suas imagens com fotos fixas de clássicos do cinema francês. Tudo é mais direto e menos brilhante do que o Godard habitual.
Em certo momento, o cineasta sai de cena, deixando um catatônico Piccoli sozinho, a perguntar aos jovens serventes do hotel sobre filmes e personagens da história do cinema francês. ``Você conhece `A Grande Ilusão'?", pergunta a uma camareira. ``Não", responde ela, ``mas conheço Madonna".
Essa ciranda do esquecimento acaba tornando-se tediosa. As fotos dos clássicos desconhecidos continuam a suceder-se durante o filme.
O filme levanta questões cruciais para o cinema, mas é algo frustrante. A dupla Godard-Miéville não deu conta da encomenda. O filme supera largamente o episódio de Nélson Pereira dos Santos sobre o melodrama na América Latina, mas fica muito atrás das aulas de Martin Scorsese sobre o cinema americano.
O último episódio pronto da série, dirigido pelo ator Sam Neill (``Parque dos Dinossauros") sobre o cinema neozelandês, passa hoje. Em setembro, será a vez de conferir no Brasil. (Amir Labaki)

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