São Paulo, sexta-feira, 26 de maio de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Weffort aposta no `mercado de projetos'

ELVIS CESAR BONASSA
DA REPORTAGEM LOCAL

O ministro da Cultura, Francisco Weffort, afirmou que seu projeto para a área está baseado em duas concepções: marketing cultural, incentivado pela Lei Rouanet, e a criação de uma fundação federal de amparo à cultura.
Em debate na noite de anteontem na Folha, o ministro disse que as modificações feitas na regulamentação da Lei Rouanet podem multiplicar por dez a aplicação de recursos de empresas privadas em projetos culturais (que no ano passado ficou em R$ 4,2 milhões). A lei permite desconto no imposto de renda dos patrocinadores.
As mudanças, anunciadas na semana passada, aumentaram os limites de abatimento. Além disso, criaram a figura do agente ou intermediário, responsável por cuidar da relação entre os produtores culturais e os empresários.
``Com a permissão dos intermediários, é possível criar um mercado de projetos", disse Weffort. ``Já iniciamos uma abertura, mas vamos abrir ainda mais", afirmou, esclarecendo que novas mudanças poderão ser introduzidas na lei.
A fundação de amparo à cultura, disse Weffort, ainda em estágio embrionário, complementaria o modelo: seria responsável por apoiar projetos que, apesar de sua importância cultural, não despertem o interesse das empresas.
Participaram do debate o professor José Álvaro Moisés (secretário de política cultural do ministério), Edemar Cid Ferreira (presidente da Fundação Bienal), Emílio Calil (presidente do Teatro Municipal do Rio), Reinaldo Martinazzo (da área de cultura do Bamerindus) e Yakof Sarkovas (produtor cultural).

Limites da lei
Segundo Weffort, é preciso institucionalizar o mecanismo de parceria entre Estado, empresas públicas e empresas privadas na área da cultura.
Nessa parceria, o marketing cultural é palavra-chave. As empresas investem em cultura e obtêm retorno por meio da exposição de seu nome, associado à cultura. É uma técnica de propaganda, já comum no patrocínio esportivo.
Essa consideração mostra o lado perverso da Lei Rouanet. Ela permite considerar os gastos de cultura como despesa operacional da empresa, além de prever um abatimento direto no imposto devido. Na soma dos dois abatimentos, a empresa recupera de 80% a 95% dos gastos com cultura. Ou seja, seus gastos efetivos se aproximam de zero.
A conta, em última instância, é paga pelo Tesouro, que deixa de receber os impostos correspondentes a esse valor. A empresa, com isso, faz seu marketing de forma quase gratuita, usando cultura e dinheiro público.
Se for considerado o gasto que seria necessário para ter o mesmo retorno por meio da propaganda comum, percebe-se que as empresas saem lucrando.
É um mecanismo defensável, portanto, apenas de forma transitória. O governo ``paga" o marketing cultural das empresas até que esse modelo esteja consolidado. A partir daí, a lei precisaria ser suspensa, como acontece com mecanismos de incentivo fiscal em qualquer área da economia.
Com base nesse raciocínio, Sarkovas propõe a diminuição progressiva dos limites de abatimento. ``A cultura não pode se tornar camelô de incentivos fiscais", afirma.
Se os abatimentos próximos a 100% forem tomados como regra definitiva, a própria lei perde seu sentido, se torna um bom negócio para empresas e expõe a cultura ao crivo dos interesses da imagem das empresas, que não costuma ser exatamente o mais adequado para avaliar a produção cultural.

Texto Anterior: México debate a questão dos direitos autorais em encontro
Próximo Texto: Hildebrando de Castro expõe fixação pelo corpo
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.