São Paulo, sexta-feira, 26 de maio de 1995
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Um quase sítio

CLÓVIS ROSSI

SÃO PAULO - O Exército ocupando quatro das refinarias de petróleo do país; fuzileiros navais tomando conta do porto do Rio de Janeiro; forças militares dispostas em e nas imediações de Apucarana, norte do Paraná, onde estará hoje o presidente da República; sugestões da segurança presidencial para que FHC use colete à prova de bala.
Um visitante desavisado que chegasse ao Brasil poderia imaginar, se visse telejornais, que errou de rumo e aportou em Sarajevo, digamos.
Há uma crispação ambiental absolutamente fora de propósito. Primeiro, porque o país vive a mais ampla e a mais prolongada situação de vigência das liberdades públicas de sua história. As eleições do ano passado foram, provavelmente, as mais limpas e democráticas de todos os tempos, ainda que seja difícil medir graus de pureza eleitoral.
Os incidentes, como o caso Ricupero e o uso da máquina governamental a favor da candidatura situacionista, foram afinal menores, mais ou menos dentro dos padrões universais. A legitimidade da vitória de FHC não foi posta em discussão, pelo menos não seriamente.
Na outra ponta, o próprio candidato, em comício no ABC paulista, encheu de elogios o PT, seu principal adversário, atribuindo ao partido de Lula papel relevante na reconquista da democracia. Não há, portanto, no plano institucional, nada que remotamente justifique a crispação.
No território da economia, há tensões evidentes, mas nada que se compare, por exemplo, às tempestades e/ou dificuldades vividas nos governos dos quatro mais recentes antecessores de FHC (de João Baptista Figueiredo a Itamar Franco).
Por que, então, esse ar carregado? Se for apenas por um punhado de vândalos que atiram paus e pedras contra o ônibus presidencial, estamos mal. A democracia não pode, é claro, ficar refém dessa gente, marginal em todos os sentidos. Mas tampouco pode recair em uma mentalidade de estado de sítio, visível pelo menos nos telejornais de ontem.
Fica-se com a triste sensação de que o subdesenvolvimento brasileiro não é apenas social. É também (ou principalmente) político.

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