São Paulo, domingo, 28 de maio de 1995
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A volta do príncipe

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES

Fernando Henrique Cardoso deixa, por um momento, os afazeres de seu ``processo" e, numa recaída de príncipe da sociologia, volta, em artigo no caderno Mais!, à chamada ``Teoria da Dependência", cujo ponto de referência é o livro ``Dependência e Desenvolvimento na América Latina", publicado por ele e Enzo Faletto na década de 60.
O livro é um ensaio sobre o que seria uma nova fase nas relações entre as economias centrais e periféricas. Contestava, na época, as teses marxistas em voga, especialmente, mas não apenas, as que traduziam a hegemonia teórica do Partido Comunista Brasileiro.
O que dizia o marxismo oficial? Em linhas gerais, que o ``imperialismo" reservava aos países atrasados o lugar de fornecedores de matéria-prima para processamento no centro do capitalismo e retorno sob a forma de produtos industrializados.
O ``imperialismo", portanto, era aliado do latifúndio para impedir toda perspectiva de desenvolvimento industrial no Brasil.
Caberia, diante disso, a uma política ``progressista", promover a união das forças em contradição com o ``imperialismo" -dos camponeses à ``burguesia nacional"- para, com apoio do Estado em setores ``estratégicos", romper tais relações e inaugurar uma etapa ``nacional-popular" com vistas ao futuro socialismo.
Fernando Henrique e Faletto mostraram que a coisa não era bem assim. A ``burguesia nacional", supostamente em contradição com o ``imperialismo", estava se associando ao capital estrangeiro para gerar no país exatamente aquilo que o ``imperialismo" deveria evitar: produtos industrializados modernos.
O Brasil, portanto, não se via condenado ao atraso de perfil agrário previsto na cartilha: haveria, dentro desse esquema, espaço para um certo tipo de desenvolvimento econômico -que foi chamado de ``dependente e associado".
Uma variante mais radical da esquerda endossava parcialmente as análises de FHC e Faletto, desprezando alianças com a ``burguesia nacional" e abandonando a idéia de ``etapa nacional-popular". Mas para essas vertentes não havia hipótese de o país avançar fora de uma revolução socialista.
A dupla de sociólogos não produziu nem uma ``teoria geral" nem um corpo ideológico com propostas normativas.
Mas na ``Teoria da Dependência" podia-se inferir, de certo modo, uma idéia para o futuro. A aposta na revolução seria um árido caminho para o fracasso. E significaria o abandono de políticas capazes de extrair vantagens e ``negociar", no âmbito do capitalismo dependente, posições mais vantajosas para o desenvolvimento do país.
Trinta anos se passaram. O Brasil testemunhou o aprofundamento das distorções do desenvolvimento dependente sob a batuta do autoritarismo e do populismo decadente; o império socialista esfacelou-se; a economia internacional entrou numa nova era e -até nem tão incrível assim: Fernando Henrique tornou-se presidente.
E, como tal, não deixou de pensar. Faz no artigo publicado hoje não uma viagem ``revisionista" a seu livro, mas um ajuste teórico, apontando as surpresas que a realidade reservou para o futuro.
Surpresas que, antes de destruir suas teses, as endossam, ainda que não ao pé da letra.
O ``aggiornamento" proposto no texto do Mais! poderá causar irritação nas esquerdas. Mas são elas, mais do que ninguém, que ainda estão a dever uma atualização teórica à luz do fiasco da experiência histórica do socialismo marxista-leninista.

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