São Paulo, domingo, 28 de maio de 1995
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Juros, câmbio e alternativa

ALOIZIO MERCADANTE

A concordata da Casa Centro é apenas o apito da panela de pressão. As taxas de juros ``escorchantes" estão destruindo empresas, desorganizando famílias e promovendo uma transferência selvagem de rendas dos devedores para os credores, do setor produtivo para os bancos.
O Plano Real vem apresentando a terceira maior taxa de juros da economia internacional, um patamar de 4,1% ao mês, contra 0,5% na taxa internacional dos principais mercados.
Nos últimos nove meses de Plano Real, a taxa de juros no CDI foi de 44%, contra uma inflação acumulada de 22% no IGP, portanto, uma taxa real básica de 18% no período, ou seja, 25% ao ano.
Se somarmos esta taxa real básica com a valorização do câmbio no período, podemos projetar uma taxa de juros em dólares de 87% ao ano, como bem demonstrou Claudio Haddad, superintendente do Garantia em artigo recente.
Paralelamente, os bancos aumentaram suas margens entre a captação e os empréstimos, chegando a cobrar 15% ao mês dos ``clientes preferenciais" que utilizam o cartão de crédito.
A taxa de juros está cumprindo o papel que cabia à inflação e assegurando um processo selvagem de concentração de renda que, em última instância, será pago no futuro por toda a sociedade.
Isto porque o grande devedor é o Estado, com uma dívida pública mobiliária de aproximadamente R$ 73 bilhões de reais, que está sendo rolada a esta taxa básica de juros.
Os Estados e municípios estão comprometendo parte crescente de sua receita com o serviço da dívida. A nível federal, se medida em dólar, a dívida pública cresceu 50% durante o Plano Real, atingindo um patamar superior ao que tínhamos antes do Plano Collor.
O argumento central do governo, de que os juros são para conter a demanda agregada, é absolutamente questionável. Em primeiro lugar, porque para as classes de baixa renda a estabilidade provisória dos preços e a ``ilusão monetária" canalizam poupança para consumo independente da taxa de juros. Para os grandes investidores, os ganhos são tão fantásticos que estimulam o consumo de alta renda.
Para a decisão de investimento há um impacto dos juros, mas não seria necessária uma taxa tão elevada, além do fato de que a decisão de investimento está mais vinculada à perspectiva de longo prazo e não necessariamente às taxas no curto prazo.
Finalmente, o ``efeito estoque" existe, as empresas tendem a desovar estoques, mas as taxas já eram suficientemente altas para este objetivo que só é eficaz no curtíssimo prazo.
Se do ponto de vista da demanda as taxas de juros são um instrumento precário, inegavelmente serão eficazes para desorganizar parte da oferta produtiva.
Em contrapartida, estas taxas de juros vão gerando um conjunto de outras distorções, como a ``negociação" com os ruralistas, as taxas subsidiadas do BNDES e outros privilégios que recaem sempre sobre o Tesouro, pago também pelo conjunto da sociedade.
Finalmente, as taxas de juros ``escorchantes", como quer nosso presidente, têm como grande objetivo compensar a sobrevalorização cambial que o governo continua insistindo após a passagem do ``efeito Tequila".
Estamos optando pelo mesmo caminho do México e Argentina, atrair capital especulativo via taxas elevadas de juros, para compensar a deterioração dos saldos comerciais. É evidente que estamos em condições mais favoráveis, em ritmo mais lento, mas na mesma direção do desastre mexicano.
Como diz o corajoso articulista Janio de Freitas, vamos vender a Ecelsa por US$ 578 milhões, cinco dias e meio de juros, ou poderíamos acrescentar vender todas as reservas de minério do país controladas pela Vale do Rio Doce por quase seis meses da mesma taxa de juros?
Ainda temos tempo de rever a política cambial, priorizar a reforma tributária e construir um acordo nacional entre empresários, trabalhadores e governo, acionando as câmaras setoriais para desindexar a economia de forma negociada. Este é um caminho mais longo, difícil e trabalhoso, um caminho partilhado, mas um caminho sólido de estabilidade com crescimento.
Difícil é assistir a arrogância e conservadorismo do presidente FHC apagar o brilho do intelectual democrático que conheci e respeitava. Difícil é ficar calado, enquanto o governo insiste em uma trajetória neoliberal, sabidamente eficaz na conjuntura imediata, mas definitivamente comprometedora dos interesses históricos do país.

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