São Paulo, domingo, 28 de maio de 1995 |
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Utopias do modernismo científico
LILIA MORITZ SCHWARCZ
Denominada, em seu conjunto, como evolucionista ou positivista -como se os termos fossem sinônimos entre si- esse tipo de produção transformou-se em uma espécie de pré-história das ciências no Brasil, criticada mais por sua forma do que por seu conteúdo e entendida como uma cópia desautorizada dos modelos imperialistas de análise. Mais recentemente, no entanto, uma série de trabalhos vem revelando como, sobretudo a partir de 1870, toda uma geração de cientistas tomou para si a tarefa de pensar sobre esse país e o fez utilizando-se dos recursos teóricos disponíveis, mas de forma original. É esse justamente o desafio dessa coletânea de ensaios ("A Invenção do Brasil Moderno) que, selecionando o período que vai de 1870 a 1937, acaba por repensar a idéia de modernidade no Brasil, sem dúvida um conceito bastante dúbio e viciado entre nós. Com efeito, em finais do século 19, noções como moderno, modernidade, modernismo e modernização vão fazer parte não apenas do imaginário e do cotidiano local, como transformam-se em argumento legítimo para os projetos que visavam uma intervenção mais imediata junto à sociedade. Os diversos textos examinam em seu conjunto, portanto, o nascimento de um saber técnico-científico, que, no Brasil, serviu como base para a conformação de um paradigma moderno. Partindo de objetos diversos -medicina, educação, engenharia, homossexualidade, direito, psicanálise-, "A Invenção do Brasil Moderno percorre um trajeto que revela como, para além da mera cópia do exemplo civilizatório europeu, já nos anos 30 evidencia-se um certo ajustes de contas entre o modelo rígido de fora e a realidade híbrida e mestiça de dentro; entre a teoria importada e as modalidades de aplicação ao contexto local. Enfim, parecia estar em questão a construção de uma identidade nacional que dialogasse com o ``brilho e o progresso dos modelos externos", mas refletisse sobre a singularidade local; que encontrasse um país semelhante para admirar, mas também distinto do conhecido e velho, Velho Mundo. Dessa forma, intelectuais como Nina Rodrigues, Afrânio Peixoto, Renato Khel, Leonídio Ribeiro, Tobias Barreto e Anísio Teixeira, entre outros, hoje mais conhecidos pela caráter ultrapassado e excêntrico de suas idéias, surgem nos diversos capítulos a partir de suas próprias lentes: retomados a partir das teorias que adotavam; dialogando com suas concepções e os impasses de um contexto que fazem parte e ajudaram a criar. Por meio dos diversos artigos, reconhecem-se facetas interligadas de uma geração de cientistas que fez de seu saber uma forma de atuação muitas vezes radical e conservadora. Resta apenas indagar sobre a abrangência dessa pesquisa e pensar se a análise de outros centros de saber nacionais poderia deixar transparecer a existência de elites brasileiras no plural, e não no singular; projetos diferentes para esse mesmo país, e não apenas uma harmonia perfeita entre cientistas, suas teorias e as maquinações do Estado. LILIA K. MORITZ SCHWARCZ é professora do Departamento de Antropologia da USP, autora de "Retrato em Branca e Negro e "O Espetáculo das Raças (Companhia das Letras) Texto Anterior: IEB promove curso de férias sobre cultura Próximo Texto: Poesia a partir de fragmentos Índice |
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