São Paulo, domingo, 28 de maio de 1995
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A descoberta dos mistérios gregos

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DA REDAÇÃO

A tragédia "Os Persas" foi encenada pela primeira vez em 472 a.C., apenas oito anos após a batalha naval de Salamina, quando os gregos derrotaram as forças invasoras dos persas, que tentavam ocupar a península helênica.
A peça se inicia com o diálogo entre o coro (formado pelos anciãos) e a rainha Atossa, enquanto aguardam notícias da invasão liderada por Xerxes, filho de Atossa.
O sofrimento provocado pela notícia do desastre culmina com a aparição do fantasma do rei Dario, marido de Atossa e pai de Xerxes, que enuncia a mensagem característica dos textos trágicos: a ambição desmesurada de um mortal ultrapassou a justa medida e provocou a ira dos deuses. O sofrimento vai se constituir, portanto, como uma forma de aprendizado.
Leia abaixo trechos da tradução direta do grego que Junito Brandão fez de "Os Persas".

Coro - Sem dúvida o devastador exército real já atingiu a margem oposta do continente vizinho: transpôs o estreito do Helesponto numa passarela amarrada por cabos, arremessando, como se fosse um jugo, um caminho firme sobre a nuca do mar.
O impetuoso monarca da populosa Ásia lança à conquista da terra inteira um gigantesco rebanho humano, por dois caminhos, um por terra, outro por mar. Para comandar o exército e a frota confia em seus chefes fortes e rudes o descendente da Chuva de Ouro, o mortal igual aos deuses.
Em seus olhos brilha o azul escuro do dragão sanguinário; com os braços inumeráveis de suas tropas, com milhares de navios, acelerando os cavalos sírios atrelados a seu carro, empurra contra varões ilustres pela lança um exército armado com o arco vencedor.
Mais difícil seria resistir a essa formidável torrente humana do que conter as vagas invencíveis do mar. Irresistível é a armada da Pérsia e seu povo belicoso.
Sim, mas que mortal poderia escapar à armadilha preparada pela astúcia de um deus? Quem possui um pé tão ágil para, num salto feliz, passar sobre ela? Afável, Ate acaricia o homem e o lança em suas redes. Dali nenhum mortal pode escapar e fugir.
Na realidade, a Moira divina que reina desde os tempos mais remotos impôs aos persas as guerras que destroem os baluartes e as lutas em que se chocam os cavaleiros e se destroem as cidades.
Eles, no entanto, aprenderam nos amplos caminhos do mar, branqueado de espuma pelos ventos impetuosos, a contemplar a vastidão sagrada das águas, confiantes em cordas frágeis e em máquinas para transportar o exército.
Eis por que minha alma de luto está dilacerada pelo medo. "Oah! sobre o exército persa! Será, por ventura, esta a notícia que vai receber a cidade, a grande cidade de Susa, esvaziada de seus varões? E será que a cidadela de Quíssia ecoará Oah! Será este o lamento de uma multidão de mulheres, que rasgarão seus peplos de linho?
(...)
Corifeu - Vamos, todavia, persas. Sentemo-nos sob este pórtico antigo e reflitamos com prudência e profundamente, pois a isto nos constrange a necessidade. Qual o destino do rei Xerxes, filho de Dario, descendente daquele que emprestou seu nome à nossa raça? Terá vencido o dardo arremessado ou será que prevaleceu a lança de ponta de ferro?
(...)
Rainha - (...)Também a mim a angústia dilacera o coração e é a vós, amigos, que desejo falar neste momento, pois estou angustiada. Temo que nossa riqueza, grande em demasia, derrube com seu pé e reduza a cinzas o edifício de felicidade erguido por Dario, não sem o auxílio de algum deus. Um sofrimento inexprimível atormenta meu espírito apoiado num perigo duplo: tesouros imensos sem um homem que os defenda não conseguem da multidão nem o respeito nem a admiração e um homem sem riquezas não brilha como mereceria por seu valor. Se nossos tesouros, todavia, estão intactos, temo por nossos olhos, porque, segundo penso, o olho de uma casa é a presença de seu senhor. Assim sendo, face a tal situação, aconselhai-me persas, veneráveis Fiéis, pois é de vós que espero todos os sábios pareceres.
(...)
Rainha - Há coisas, amigos, que eu gostaria de saber. Onde dizem que fica Atenas?
Corifeu - Bem longe, no poente, onde se recolhe o rei Hélio.
Rainha - E meu filho desejava conquistar aquela cidade?
Corifeu - Sim, pois a Hélade inteira obedeceria ao Rei.
Rainha - Possuem eles então um exército numeroso?
Corifeu - Possuem, e um exército que causou muitos danos aos persas.
(...)
Rainha - E que chefe dirige e lhes comanda o exército?
Corifeu - Eles não são escravos nem súditos de ninguém!
Rainha - Como, neste caso, poderiam resitir a uma invasão inimiga?
Corifeu - Tão bem que destruíram o magnífico e numeroso exército de Dario.
Rainha - O que dizes angustia terrivelmente as mães dos que partiram.
Corifeu - Segundo me parece, em breve saberás a verdade por inteiro: vejo um homem em cuja corrida se reconhece um persa. Ele nos traz boa ou funesta uma notícia exata.

Mensageiro - Ó cidadãos da Ásia inteira, ó terra da Pérsia, sede de imensas riquezas, com um só golpe se destruiu uma incomparável felicidade, a flor da Pérsia tombou aniquilada!
Coro - Terríveis, terríveis novidades, sofrimento cruel. Ai! Ai! Chorai, persas, ouvindo esta desgraça.
Mensageiro - Desapareceram todos os que partiram e eu próprio, contra toda esperança, revejo a luz do retorno.
Coro - Mostrou-se, hoje, longa em demasia a existência para nós anciãos, coagidos a ouvir tamanha desdita.
Mensageiro - E é como testemunha e não repetindo palavras alheias que vos relatarei, ó persas, as desgraças que nos esperam.
(...)
Mensageiro - Um monte de cadáveres de nosso infortunados mortos cobrem as praias de Salamina e todos os seus arredores.
(...)
Mensageiro - Salamina, de todos os nomes o mais odioso de se ouvir! Ai! Provoca-me soluços a lembrança de Atenas.

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