São Paulo, segunda-feira, 29 de maio de 1995
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Cronistas e analistas

LUÍS NASSIF
CRONISTAS E ANALISTAS

Uma das características mais interessantes na imprensa é o paradoxo entre o chamado jornalismo de fundo e o jornalismo de marketing -os analistas e os cronistas. Os primeiros influenciam processos; os segundos conquistam leitores. Ambos têm papel relevante na mídia.
O grande impasse do moderno jornalismo é como dosar a sisudez dos primeiros e o populismo dos segundos, sem perder leitores, mas sem banalizar excessivamente o ofício.
Em países politicamente imaturos, mas com uma sociedade razoavelmente complexa como a brasileira, privilégios de grupos se constroem em cima da macumba cibernética. Juntam-se meia dúzia de conceitos pretensamente técnicos com crendices patrulheiras.
Nos últimos anos, a revolução da informação acabou acentuando o paradoxo entre analistas e cronistas, em cima desse quadro.
Por outro lado, a era da televisão acabou revalorizando o chamado jornalismo impressionista, onde o objetivo do articulista, menos do que esclarecer, é refletir o pensamento majoritário do seu leitor.
Não lhe peça raciocínios, mas impressões. Nem o desbravamento de novas idéias, a sofisticação da análise, o compromisso com mudanças ou o risco de bancar hoje o conceito que só vai ser aceito amanhã.
Ritmo do leitor
No fundo, o jornalista de marketing encara o jornalismo de fundo com o mesmo espírito do leitor comum, tendo como parâmetro básico de julgamento o senso comum. Escandaliza-se, quando a tese ainda não se consagrou. Depois, vai absorvendo a tese lenta ou rapidamente -sempre no ritmo do leitor comum. Após a tese ter sido consagrada, torna-se seu mais intimorato defensor. Mas sempre agora e em compasso com seu público.
Cumpre seu papel de ajudar a consolidar teses já vitoriosas e promover uma espécie de descanso do leitor, expondo ao seu julgamento teses simples e fáceis de serem avaliadas.
O problema que muitas vezes o atinge é que, pelo hábito de tratar a vida em cima de flashes instantâneos, jamais se apercebe das grandes tendências da economia, da política e do movimento social. Enquanto o analista, mesmo equivocado, sempre ajuda a estabelecer limites à ação de governo, por ser um questionador de verdades estabelecidas.
Lágrimas depois
O que ocorre hoje com a questão dos juros é típico desse processo. Com esses níveis de juros, têm-se as seguintes consequências óbvias:
1) Empresas pequenas e médias, menos capitalizadas, rodarão, jogando no mercado um exército de desempregados -donos de pequenos negócios e funcionários.
2) Grandes empresas reduzirão sua produção, aumentando o número de desempregados. Mas preservarão lucros porque, sendo líquidas, compensarão seu prejuízo operacional com aplicações financeiras.
3) Pelo simples exercício de trazer dinheiro lá de fora e aplicar nesses inexplicáveis 4,5% ao mês, os bancos de negócios repetirão os extraordinários lucros do ano passado.
4) Todo o lucro do setor capitalizado da economia será bancado pelo Estado, às custas do aumento exponencial da dívida interna. Tudo o que se arrecadar com a venda de estatais não será suficiente para bancar o mero crescimento da dívida interna, em função desses juros.
5) Com a queda da atividade econômica, em pouco tempo as receitas tributárias vão despencar. Vai faltar dinheiro para a área social.
Quem consegue vislumbrar as consequências do processo apavora-se. Não o jornalista de marketing. Sua Pentax fotografa só o momento. E como seu público, agora, quer acreditar, mesmo os mais talentosos são facilmente engabelados por meia dúzia de sofismas primários.
Se o governo diz que juros altos são para impedir a alta da inflação e a inflação penaliza os mais pobres, logo, qualquer que seja o nível dos juros, quem for contra juros altos estará fazendo o lobby dos mais ricos. Não é assim?
Daqui a poucos meses, quando a recessão se abater impiedosa sobre a economia, aumentando o nível da miséria, também não haverá problemas. O jornalista de marketing fotografará as criancinhas pobres do Brasil com sua Pentax e dirá em tom piedoso: ``Precisamos fazer algo para combater a miséria". E não lhe pergunte o quê, porque ele veio para sentir, não para explicar.

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