São Paulo, segunda-feira, 29 de maio de 1995
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Linguagem desbanca `Gaiola'

INÁCIO ARAUJO
DA REDAÇÃO

Emile Benveniste escreve que, quando se cruza a fronteira entre França e Inglaterra, o que se chamava até então de ``boeuf" (boi) passa a se denominar ``ox" (boi).
Mas ``boeuf" e ``ox", acrescenta o linguista francês, não são a mesma coisa. Isto é, não existe esse ``boi" essencial, que se transporta inocentemente de uma língua para outra. O que existe são línguas que se diferenciam das outras na medida em que recortam a realidade diferentemente e, portanto, a entendem de maneiras diversas.
Na língua do cinema, o homossexual é uma figura privilegiada. Não por acaso, em ``A Gaiola das Loucas 3" (como nas anteriores), ele é necessariamente uma mulher em estado caricatural. Motivo de riso. Ou antes, de exclusão pelo riso.
Estranho efeito da Aids: quando começa a se difundir e, mais, quando deixa de ser uma simples ``praga gay", a representação da homossexualidade ganha um novo caráter. Os que foram mostrados recentemente em ``Filadélfia" ou ``E a Vida Continua" não têm nada de risíveis.
É sintomático que a série das ``Loucas" tenha sido recebida como um humor inocente. E que ``Filadélfia", digamos, tenha sido atacado como politicamente correto (PC).
O que se ataca no PC é a inquietação que instaura. É que subitamente a linguagem deixe de oferecer uma representação confortável das coisas. ``A Gaiola das Loucas 3" (mas a 1 e a 2 também) é expressão de um preconceito tão satisfeito consigo e tão seguro de si que nem se preocupa em prestar contas.
(IA)

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