São Paulo, segunda-feira, 29 de maio de 1995 |
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`Songbook' de Ary Barroso esgota gênero
LUÍS ANTÔNIO GIRON
É um produto controverso porque tanto revisa a obra de um autor quanto a oblitera de certa forma. O maior chamariz são as gravações. Os discos exibem três faixas históricas, com as últimas gravações do compositor carioca Antonio Carlos Jobim (1927-1994) e do violonista fluminense Raphael Rabello (1963-1995). Tom entrou num estúdio pela última vez em outubro de 1994 para gravar a voz em``Na Batucada da Vida". Ele havia gravado a música em 29 de setembro. Na mesma data, registraria ``Pra Machucar Meu Coração"' ao lado do compositor Edu Lobo. Tom não gostou de sua voz na primeira música e pediu para substituí-la. Rabello gravou ``No Rancho Fundo" com a cantora Gal Costa em 22 de dezembro. Morreria quatro meses depois. O produtor conta que Rabello gravou quase de improviso, já na terceira repetição. Discos e livros contêm não só pedras fundamentais como dispensáveis da obra de um dos mais importantes compositores da ``época de ouro" (1928-1945) da MPB. Como os espécimes anteriores lançados pelo produtor -Caymmi, Noel, Gil-, os discos de Ary convocam bons e médios intérpretes para abordar parte de sua produção de cerca de 300 títulos em 35 anos de carreira. Resultado, desequilíbrio de qualidade. Os livros igualmente apresentam um problema estético. Como seus antecedentes, trazem a linha melódica original, à qual se juntam cifras para acompanhamento de violão com harmonização pós-bossa-novística. É uma deturpação. Poucas músicas têm mantidas as características primitivas. Nesse modelo, a obra do compositor pode se converter em desculpa para exibicionismo dos músicos e demonstração de perícia do harmonizador. Em nome de uma revisão ecumênica e autocomplacente, cometem-se imprecisões ou obliterações dos originais. Há exemplos. Introduzir harmonias espessas em sambas quadrados é bossa-novizar o ``imbossável". Chediak realiza essa tradução ao longo do livro. Repete a infidelidade nos CD. Não tem sentido aplicar o estilo flamengo ao samba-canção ``No Rancho Fundo", como o fez Raphael Rabello. Tocar maxixe como afoxé tampouco é lícito. Assim obrou o arranjador Marco Pereira em ``Vamos Deixar de Intimidade". Os músicos perderam o ponto do maxixe. Em ``O Amor Vem Quando a Gente Não Espera", cantado por Zeca Pagodinho, o pianista Leandro Braga toca xaxado. Grotesco. Os momentos memoráveis ficam por conta de Jobim, Caymmi (``Tu") e do violonista Maurício Carrilho. Este se revela um arranjador fiel à ``mainstream" e um artista de primeira linha. A magnitude da arte de Ary não se faz sentir numa análise de suas harmonias, quase sempre paupérrimas, quadradas e destituídas de dissonâncias. Muito menos em suas letras, regidas por um coração simples, capaz apenas de frases diretas e popularescas. Seu segredo fica na melodia. Ela se impõe à memória pela simplicidade. Discos e livros conservam a música de Ary numa emulsão por vezes opaca. Para ser-lhe mais fiel, seria preciso manter o fluido da modéstia em que foi gerada. É preciso aproximar interpretação e harmonização do contexto em que as canções foram criadas. ``Songbook" deve ser documento, não uma festa. Disco: SongBook Ary Barroso Intérpretes: O Trio, João Bosco, Daniela Mercury, Chico Buarque, Caetano, Carmem Costa e outros Preço: R$ 20 (o CD, em média) Livro: Songbook Ary Barroso Preço: R$ 66 (os dois volumes) Produtor: Almir Chediak Texto Anterior: Linguagem desbanca `Gaiola' Próximo Texto: Wilson Pickett faz festa soul em festival de blues Índice |
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