São Paulo, segunda-feira, 29 de maio de 1995
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Distorções

Os constituintes de 88 certamente agiram bem ao estender aos trabalhadores rurais benefícios que até então desconheciam. O impacto social dessa medida foi positivo, acredita-se, para a grande maioria dos trabalhadores do campo.
Mas o diabo se esconde nos detalhes e, na zona canavieira do Nordeste, pelo menos, os resultados estão muito longe dos esperados pelos legisladores.
Como relatou reportagem publicada ontem nesta Folha, em função do aumento dos encargos previdenciários para os empregadores e do fato de o trabalhador rural residir em terras do proprietário constituir prova de vínculo empregatício, os donos de fazendas de cana começaram a mandar destruir as casas dos trabalhadores em suas propriedades para depois contratá-los como bóias-frias apenas durante os seis meses da safra.
O resultado foi a demolição de 90 mil casas nos últimos quatro anos apenas em Pernambuco e Alagoas. O bem-intencionado ato legislativo acabou contribuindo para o aumento da favelização nos Estados produtores de cana do Nordeste, com as suas inevitáveis mazelas, como os maiores índices de violência, mortalidade infantil etc.
Para além da evidente falta de preocupação social dos canavieiros que, não raro, pagam seus próprios ex-empregados para demolir suas próprias ex-casas, fica aqui patente a ineficácia de uma política efetiva de proteção social para todos os trabalhadores do Brasil.
Embora os mapas não registrem, as condições de trabalho variam muito, por exemplo, do interior do Acre para o ABCD paulista. Se os trabalhadores do setor automobilístico conseguiram tornar os benefícios consagrados na Constituição coisa de um longínquo passado, em outras regiões do país até mesmo aquele mínimo que está inscrito na Carta ainda é um sonho muito distante da realidade, a ponto de os supostos benefícios terem se tornado transtornos.
Por mais que se queira atribuir a culpa desse perverso processo apenas à ganância dos canavieiros nordestinos, o próprio Karl Marx reconhecia que o que acaba determinando a realidade é principalmente a esfera econômica.
Nesse sentido, o que o Brasil pode e deveria fazer para tentar melhorar a situação de muitos trabalhadores é repensar a legislação em função da realidade concreta de cada categoria e região. Acreditar que São Paulo e Acre são a mesma coisa é no mínimo uma tolice, com graves prejuízos para os trabalhadores.

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