São Paulo, quinta-feira, 1 de junho de 1995
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Pecado de Pérsio Arida foi ser muito "voluntarista"

Ex-presidente do BC é uma das mais dignas figuras públicas

LUÍS NASSIF
DO CONSELHO EDITORIAL

Reitero o que escrevi ontem: Pérsio Arida é uma das mais dignas figuras públicas que tive a honra de conhecer em toda a minha vida profissional. É um autêntico patriota, um homem cujo objetivo de vida sempre foi o bem do Brasil. E pode ter certeza que, consolidado o Real, seu nome entrará para o panteão dos homens públicos que ajudaram a construir uma nação.
Mas nos últimos tempos sua vontade de mudar o país resultou em um voluntarismo que, se não fosse contido, poderia colocar tudo a perder.
A troca de moedas, do cruzeiro para o real, foi uma obra perfeita de engenharia econômica. Foi um feito extraordinário pensar a concepção de uma troca de moeda que interferiu em todos os contratos da economia com o mínimo de trauma possível.
Os problemas do Real não decorreram da concepção de Arida, mas da interferência descabida dos economistas que manipularam a taxa de câmbio e, posteriormente, do ex-ministro Ciro Gomes, ampliando irresponsavelmente as importações.
Foram eles que jogaram a economia nessa situação absurda, para abrir espaço para o mais deletério processo especulativo que este país conheceu desde os anos de chumbo do governo Sarney. Não foi à toa que um dos autores desse estrago -o economista Winston Fristch- ainda no governo tenha se convertido em sócio de um banco estrangeiro.
Arida assumiu o Banco Central com a situação externa deteriorando-se a olhos vistos e com as vendas profundamente aquecidas, pelo descuido da equipe anterior em relação à expansão do crédito.
Aí, a vontade de corrigir o erro -que não tinha sido dele- transformou-se em voluntarismo perigoso.
Em março, tentou acertar o câmbio. Este jornalista alertou, um mês antes, sobre a necessidade de se ter à frente um grande operador de mercado, que conduzisse o câmbio por águas seguras de volta à paridade de um real. O câmbio é fixado diariamente pelo BC, através de vendas e compras sucessivas de moeda no mercado. Há a necessidade de conhecimento prático desse jogo, que impeça o BC de se tornar um refém do jogo especulativo.
Essa sugestão chegou a ser apresentada nas reuniões internas da equipe econômica, assim como a de se convidar o economista Gustavo Loyola -funcionário de carreira do BC e homem que conhece como poucos a operação do banco- para ser o segundo de Arida, suprindo sua conhecida falta de apetência com a operação do dia-a-dia.
Mas a auto-suficiência imperou e produziu um desastre. Não se aceitaram os reforços. O pânico produzido por esses desacertos fez com que o BC, no desespero, baixasse o teto do câmbio de um real para 92 centavos. E se imobilizasse completamente no ``front" cambial e monetário.
Instalou-se o pânico na equipe com o crescimento da atividade econômica e o aumento do déficit cambial. Esse pânico a impediu de ver dois sinais no horizonte. O primeiro é que, apesar da lentidão dos índices, desde janeiro era possível perceber um movimento nítido de desaquecimento da economia, por conta do aumento da inadimplência das pessoas físicas e jurídicas.
O segundo era a ausência de sinais consistentes no horizonte de que se estava conseguindo restabelecer o equilíbrio da balança comercial.
Sem atentar para esses sinais, Arida conseguiu passar ao governo sua ansiedade em relação à explosão do consumo, e optou por uma estratégia inviável política, econômica e socialmente: parar a economia com a suspensão completa do crédito interno, e jogar a taxa de juros para níveis estratosféricos. Era um sinal claro de desespero. Arida pensava que a única maneira de salvar o seu Real seria paralisar toda a atividade econômica.
Com a integridade que o caracteriza, em nenhum momento ele deixou de reconhecer todas as contra-indicações de sua política. Bem ao contrário de pessoas sem noção de economia que, na ânsia de defenderem o governo a qualquer preço, tentavam caracterizar os alertas como histeria ou lobby.
A ida de Loyola para o lugar de Pérsio Arida significa um sinal claro de repor a política monetária no seu lugar correto, como instrumento complementar de política econômica, não a de remédio para todos os males da economia -algo que nunca poderia ser.
Vai se ter um arrefecimento das limitações creditícias. Certamente não vai se permitir taxas de juros nesses níveis, inviabilizando completamente qualquer tentativa futura de ajuste cambial.
É possível que, em mãos seguras, confira-se novamente flexibilidade ao câmbio, para que possa se ajustar gradativamente, sem traumas.
E o Real, a partir de julho, entrará no caminho correto, prosseguindo gradativamente, e com segurança, sem queimar as caravelas antes que se completem as reformas fiscais.
Mas, repito: completada a grande travessia, com as reformas encaminhadas, o nome de Arida estará inscrito na história do Brasil.

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