São Paulo, quinta-feira, 1 de junho de 1995
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Diversificando o investimento

MOACYR SCLIAR

Ele parecia um revolucionário do século 19, um jovem de boné, cabeleira revolta e olhar brilhante. Mas o assunto do qual falava, no bar, era prosaicamente atual: a Supersena.
- Esse homem que ganhou: eu entendo que ele não ouse dizer seu nome. Quer se livrar das mordidas, o que é muito justo. Mas acho que com isso ele perde oportunidades.
- Que oportunidades? Perguntei.
- Muitas oportunidades. Há gente que poderia lhe dar sugestões interessantes sobre o que fazer com o dinheiro. E por puro desprendimento, sem interesse nenhum.
Ponderei que dificilmente alguém se aproximará de um milionário sem interesse algum. Indignou-se:
- Ah, mas você é um cético. Claro que existe gente generosa, desinteressada.
- Quem?
- Eu. Por exemplo: eu.
- Ah, sim? Eu me esforçava para não sorrir.
- E que conselhos você daria ao homem que ganhou a Supersena?
Animou-se:
- Eu lhe diria, em primeiro lugar, para escapar ao convencional, ao rotineiro. Quem tem grana em geral aplica direto em CDB, em imóveis, compra carros. A Folha diz que ele pode adquirir 1.285 automóveis Gol. Mas o que é que ele vai fazer com tanto Gol? Vai andar em todos ao mesmo tempo? Vai guardar para que enferrujem? Bobagem. Eu sugeriria que ele investisse em outra coisa.
- Qual?
- Em socialismo.
Meu espanto irritou-o:
- Ah, mas você não tem mesmo visão. Como é que se investe em socialismo, você deve estar se perguntando. E eu digo: é muito simples. O cara compra uma área de terra e proclama-a estado socialista independente. Divide as terras entre os camponeses, faz uma comuna. Constrói uma fábrica, entrega para os operários. Instala um banco, entrega aos bancários. E assim por diante. Logo o lugar será uma ilha do socialismo.
- Mas qual é mesmo o retorno do investimento?
Sorriu com desprezo:
- Você é materialista demais, cara. Materialista demais. O investimento é a garantia, entendeu? O socialismo agora está por baixo, mas digamos que amanhã ou depois volte à moda. Você já imaginou como um milionário ficaria mal? Ele seria um inimigo público, os socialistas iriam pendurá-lo pelo saco. Com este investimento no socialismo ele se protege.
Concluiu, triunfante:
- E eu, que dei a idéia, até poderia ganhar alguma coisa, mais a título de estímulo aos talentos. Porque talento para diversificar não me falta, cara. De diversificação sei tudo. Tudo.

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