São Paulo, quinta-feira, 1 de junho de 1995
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Fotógrafa converte escritores em personagens

MARCELO REZENDE
DA REPORTAGEM LOCAL

A fotógrafa britânica Sally Soames não é uma personagem. O grande motivo de ser confundida com uma vem do fato de aparecer nos romances dos escritores norte-americanos Don DeLillo e Paul Auster como parte do universo ficcional criado por eles.
Sally lançou na última quinta-feira, em Londres, seu mais novo trabalho: ``Writers", que traz 70 fotos de escritores recolhidas nos EUA e Europa. Seu objetivo é traduzir em imagens o que homens e mulheres criam por meio da prosa e verso.
Apesar de negar qualquer ligação com o objeto de seu trabalho, o fato é que as imagens de Sally estão cuidadosamente distribuídas em pelo menos um romance.
No último livro publicado por DeLillo, ``Mao II", ainda inédito no Brasil, uma de suas mais interessantes criações é uma fotógrafa que transforma escritores na razão de seu trabalho. A obra foi escrita quando Sally morava em Nova York, caçando prosadores e poetas para seu livro.
Em ``Leviatã", de Paul Auster, uma personagem chamada Maria persegue desconhecidos na tentativa de revelá-los pela fotografia: ``Não sou eu nesse livro", diz Sally.
Mas seu trabalho ultrapassa o folclórico. Simpática, curiosa e agradável, Sally falou à Folha de sua casa, em Londres, revelando o motivo de sentir-se atraída por escritores. Uma história que se parece muito com uma obra de ficção.

Folha - Por que escritores?
Sally Soames- Em 1987, o ``Sunday Times" iniciou uma nova seção de livros. A editora responsável estabeleceu um novo método de trabalho. Ela me pediu que lesse os livros para depois fotografar os autores. Na mesma época, minha mãe ficou muito doente e, quando ela estava no hospital, eu não conseguia ler nada, a não ser um guia de viagem pela América.
Logo depois ela morreu, e me senti terrivelmente triste. Decidi então viajar, partir para os EUA, me concentrando em fotografar escritores americanos. Meu livro é o resultado disso.
Folha - Seu trabalho tem uma estreita relação com alguns escritores americanos, como Don DeLillo.
Soames - Aquele que escreveu sobre a fotógrafa?
Folha - Sim.
Soames - Eu não o fotografei. Eu li o livro, isso me deixou extremamente perturbada, e não consegui fotografá-lo. Paul Auster já havia me avisado sobre ele. Mais eu fiquei tão horrorizada com toda a história.
Folha - E você não pretende encontrá-lo nunca?
Soames - Talvez um dia.
Folha - Você é uma fotógrafa que ama os livros.
Soames - Definitivamente. Se você vier à minha casa, verá a quantidade de livros que há aqui. Eu trabalho com imagens, mas meu livro não traz apenas fotografias.
Eu pedi a cada autor que escrevesse algo para acompanhar suas fotos. E aqueles que se recusassem, que escolhessem o de um outro qualquer. Eu li todos que estão no livro. Como Saul Bellow, que aparece em seu escritório, ou Iris Murdoch, escrevendo diante da câmera.
Folha - Antes desse seu trabalho, você era fotojornalista, cobrindo os acontecimentos diários de Londres. O que causou a mudança?
Soames - Eu vou lhe contar o que aconteceu. Eu trabalhava no jornalismo diário, em 1984, quando uma bomba explodiu perto de uma conferência do partido conservador na Inglaterra. Você se lembra disso?
Eu cobria o assunto e tive o que os médicos diagnosticaram como um ``estresse pós-traumático". No mesmo ano da bomba, me pediram uma matéria sobre problemas médicos e eu fotografei um garotinho morrendo.
Tive então uma outra crise nervosa e percebi que devia mudar meu trabalho. Eu já não podia me enquadrar com as coisas que via. Decidi fotografar a perfeição, e não mais o que me perturbava.
Folha - Você escreve?
Soames - Não. Esse é o meu problema. Se eu pudesse escrever, não seria uma fotógrafa.

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