São Paulo, quinta-feira, 1 de junho de 1995
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No setor, a culpa é sempre do outro

JOÃO BATISTA NATALI; DANIELA ROCHA; ANDRÉ FONTENELLE
DA REPORTAGEM LOCAL

Um ingresso de cinema custa em média R$ 7,36 em Nova York, praticamente a mesma coisa que num shopping de São Paulo.
``É que os preços no Brasil estão absurdos. Num shopping, é preciso comprar o ponto e todas as instalações, o que acaba custando de R$ 800 mil a R$ 1 milhão", diz Francisco Lucas, vice-presidente do Sindicato das Empresas Exibidoras.
Em outro ramo do setor cultural, Henrique Sverner, presidente da cadeia de discos Breno Rossi -seis das sete lojas em shopping centers- diz o mesmo:
``Tudo no Brasil ficou muito caro. Não é só CD. Basta ver o cardápio dos bons restaurantes e diárias de hotéis. Os preços são maiores que em Nova York."
São dois argumentos incontestáveis, mas com uma ressalva importante: o fato de produtos e serviços culturais estarem com seus custos empurrados para cima significa que a economia, como um todo, também vem se comportando de forma a não diminuir o preço ao consumidor.
Abusos
Mas há abusos. A Folha levantou anteontem o preço do último CD da cantora Gal Costa em oito pontos de venda. A variação era de R$ 15,00 a R$ 25,00.
Conclusão óbvia: quem vendia por menos não estava perdendo dinheiro e quem vendia por mais estava operando com uma margem de lucro exorbitante.
Aquele mesmo CD chegou às lojas por R$ 12,00, contra a emissão de uma duplicata a ser paga só dentro de cinco semanas.
Excetuado o lucro, as planilhas com os itens que compõem o preço final no Brasil não se diferenciam basicamente da exibida em mercados estrangeiros.
O direito autoral de uma gravação, por exemplo, é de 8,4% na França, nos Estados Unidos e no Brasil (onde ele é calculado com base no preço por atacado).
O preço de fabricação de cada CD também varia pouco nos três países, entre 5% e 8% do preço com que a unidade chega às lojas.
Os produtos brasileiros pagam IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), enquanto em Paris ou Nova York incide apenas o equivalente ao ICMS (imposto sobre o consumo). Essa bitributação, no entanto, não explica o encarecimento excessivo.
O que ocorre é que as margens de lucro foram espichadas quando a inflação era alta e elas se mantiveram depois que a inflação baixou.
Cinemas
No caso dos cinemas, os exibidores dizem não ter constatado um aumento na frequência das salas comparável aos 100% que as gravadoras registraram com os CDs (em um ano, as fitas cassete cresceram 27%, e queda só ocorreu, em 28%, com os discos de vinil, de tecnologia ultrapassada).
Mas não há números que demonstrem algo próximo à estagnação do mercado. O Sindicato das Empresas Cinematográficas do Município do Rio de Janeiro -onde estão as filiais das grandes distribuidoras norte-americanas- não divulga suas estatísticas.
É claro que nem todo o mercado cultural pratica o que, para alguns, não passa de extorsão do consumidor. Há soluções permitidas pela economia de escala (vende-se bastante e por isso mesmo por bem mais barato).
No caso dos CDs, as Lojas Americanas, líder desse varejo específico, consegue vender lançamentos por R$ 13,99. Mas seu diretor Frederico Luz não quis dizer à Folha que condições diferenciadas de preços e prazo de pagamento ele obtém junto às gravadoras.
Há por fim uma queixa generalizada quanto às taxas de juros. Estoque que é vendido vagarosamente obriga o lojista a recorrer ao banco no momento de pagar a duplicata. O custo financeiro acaba anulando ou comendo uma parte substancial de seu lucro.
(João Batista Natali)

Colaboraram Daniela Rocha, de Nova York, e André Fontenelle, de Paris

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