São Paulo, quinta-feira, 1 de junho de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Bucha de canhão

A greve dos petroleiros chegou a um ponto insuportável. O desabastecimento já não é mais uma ameaça, mas uma realidade no cotidiano da maioria dos brasileiros. Se a situação se agravar, não será apenas de gás e combustíveis que as pessoas terão de correr atrás, mas de alimentos, pois o sistema de transportes ameaça entrar em colapso.
O mais lamentável em todo esse episódio é que uma questão em tese apenas trabalhista -de resto já julgada contra os petroleiros pelo foro competente- tenha-se tornado um jogo de intrigas políticas em que, ao que tudo indica, uma categoria de trabalhadores e até o próprio governo usam a população para tentar lograr seus objetivos.
Negar que a greve tinha, desde o início, um claro interesse político, ou seja, evitar a quebra do monopólio do petróleo, seria de uma ingenuidade ímpar. É até possível que o movimento tenha adotado bandeiras de cunho salarial apenas como decorrência do fato de essa estratégia política não ter encontrado eco junto à população. Deveria ser evidente que a sociedade não apoiaria uma greve que apenas a prejudica. Foi um erro fatal.
O governo, por sua vez, sem jamais poder abrir mão da volta imediata ao trabalho como precondição para qualquer negociação, sob pena de desmoralização do sistema Judiciário, duas vezes desafiado pelos petroleiros, parece também servir-se politicamente da greve.
A falta de firmeza do Planalto em exigir uma solução do impasse acabou prolongando talvez desnecessariamente a greve a ponto de criar uma situação de desabastecimento geral. Mais, o governo também tem sido relapso, para dizer o mínimo, ao simplesmente não apresentar nem implementar com a devida antecedência planos de racionamento. Parece evidente que o Planalto evitou mostrar-se impopular, seduzido pela hipótese maquiavélica de aproveitar o repúdio da população à greve para assim facilitar a aprovação da emenda da quebra do monopólio da Petrobrás.
É lamentável que ambas as partes, como sugerem as circunstâncias, estejam procurando instrumentalizar a população como meio para tentar atingir suas metas políticas. Há um limite entre a legítima mobilização da opinião pública e a chantagem. Esse limite parece estar sendo perigosamente ignorado.

Texto Anterior: Gustavos
Próximo Texto: Mentalidade estatal
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.