São Paulo, sexta-feira, 2 de junho de 1995
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Os US$ 28 bilhões da violência e a cidadania

RICARDO TOLEDO NEDER

Recentemente, foi divulgado um estudo originalíssimo do economista Ib Teixeira, da FGV/Rio, pelo qual ficamos sabendo da importância econômica da indústria da violência no país. Entre 1992 e 1995, o setor privado gastou o equivalente a US$ 28 bilhões em sistemas privados de segurança, com despesas da ordem de US$ 15 bilhões para manter 500 mil vigilantes de prédios, bancos, firmas e residências.
O ramo de seguros de automóveis, residências, fábricas e escritórios gastou US$ 11 bilhões, enquanto o pagamento de sequestros gerou prejuízos no montante de US$ 2 bilhões -neste caso, o cálculo é subestimado, pois foram computados ``apenas" os casos noticiados nos últimos três anos. (Folha de S.Paulo, 1º/5/95, pg. 3-3).
Não vamos discutir a macroeconomia desses recursos e sim que outro uso esse dinheiro poderia ter. Daí a questão: quanto o setor privado estaria disposto a aplicar em projetos sociais que, bem geridos e integrados a políticas sociais públicas, podem reduzir as causas estruturais dessa violência? Alguns bilhões de dólares podem ser bem aplicados em projetos sociais contra fome, exclusão social, êxodo escolar, crianças e adolescentes nas ruas e precários serviços materno-infantis, para não nos alongarmos muito.
O setor privado, recentemente, por intermédio de fundações e institutos, oficializou a criação de uma câmara de políticas sociais de 50 entidades filiadas ao Gife (Grupo de Institutos, Fundações e Empresas), cujo sentido maior é criar um novo desenho institucional destinado a captar, orientar e aplicar recursos neste campo e, com a adoção de metodologias de avaliação, qualificar os resultados em diferentes níveis.
Qual o comprometimento das entidades envolvidas na realização dos projetos? Que tipo de projeto é mais adequado ao grupo, do ponto de vista do incremento de sua auto-estima e auto-sustentação? Quais os resultados da articulação entre os dois níveis e as ações dos beneficiários?
Para atingir esta competência entre os diferentes atores, é necessária a adesão dos dirigentes do setor privado que financiam projetos sociais a novas formas de parceria com organizações não-governamentais e entidades assistenciais e de obras sociais, no sentido de reestruturar boa parte das entidades tradicionais e interagir com casos bem sucedidos.
Em conjunto, este ``terceiro setor" -como começa a ser chamado, pois envolve voluntariado, ONGs, fundações e institutos sem fins lucrativos e não-governamentais- precisa articular no espaço público da sociedade civil uma concertação entre os que financiam os projetos, os que executam e os que atuam como beneficiários.
Amplas redes de captação de recursos entre o setor privado -a exemplo do Gife- necessitam ser criadas no Brasil, para atender as principais deficiências das entidades que operam recursos para projetos sociais, que são de duas ordens: revolucionar seus sistemas administrativos, gerenciais e financeiros e, em segundo, transformar a mentalidade de seus dirigentes com a adoção de princípios e metodologias de ação que tomem os beneficiários finais como cidadãos -superando, com isso, o clientelismo, o paternalismo e a ``cultura política da dádiva" (que significa ``ou bem se manda ou bem se pede" no Brasil).
Como atingir isso? Um dos caminhos, em primeiro lugar, é melhorar nosso conhecimento não apenas sobre a macroeconomia da violência, mas acerca da ``macroeconomia do terceiro setor". Em segundo, é indispensável que na constituição de uma câmara setorial de políticas sociais participem outros atores deste campo; nomeadamente, o Estado, com suas instâncias decisórias sobre políticas sociais (ministérios, Programa Comunidade Solidária, parlamentares com projetos sociais do tipo Renda Mínima), e as redes mais representativas das ONGs e de entidades laicas e religiosas de assistência e obras sociais.
Em terceiro lugar, esse novo campo de parceria necessita de um quadro legal para implementar estatutos já existentes, mas paralisados (como a Lei 8.742/93, Lei Orgânica da Assistência Social), e para refundar um novo marco político de ação destas entidades. Marco este capaz de estimular a profissionalização dos quadros das entidades, com base no princípio da auto-sustentação das mesmas.
Na prática, isso quer dizer que financiamentos para projetos sociais devem se inspirar no princípio de captação de recursos de diferentes fontes (não só governamentais) e, sobretudo, como uma etapa provisória, visando a implementação de iniciativas conduzidas pelos próprios beneficiários finais (geração de renda, associações para produzir bens e serviços).

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