São Paulo, sexta-feira, 2 de junho de 1995
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Esculturas sofrem descontrole no Brasil

DANIEL PIZA
DA REPORTAGEM LOCAL

As artes plásticas brasileiras não são amparadas pela prática e legislação de direitos autorais. Uma prova é o fato de que as cópias de escultura no Brasil, em geral, não são numeradas -uma praxe internacional e lei em alguns países.
Essa é a opinião de advogados e marchands ouvidos pela Folha. Eles dizem que o descontrole em esculturas só pode ser prejudicial a autores e consumidores.
``Já deixei de organizar exposições de esculturas porque não havia como confirmar a autenticidade delas", disse um marchand à Folha. ``Raramente compro escultura porque há muito descontrole no meio", disse um colecionador.
Recentemente a herdeira do escultor Victor Brecheret (1894- 1955), Sandra, ofereceu ao Masp (Museu de Arte de São Paulo) doar uma peça de seu pai. O museu aceitou a oferta, mas disse preferir que essa escultura fosse de terracota ou mármore.
O Masp não quer escultura de bronze porque as de bronze em geral são cópias, feitas a partir do molde de gesso. Quer peça única.
É bastante comum, nos meios artísticos de São Paulo e Rio, ouvir que o problema das cópias de escultura no Brasil é grave e que deve haver muitas falsificações.
Obras como as de Alfredo Ceschiatti (1918-1989) e Bruno Giorgi (1905-1993), por exemplo, ainda que administradas pelos herdeiros, não são numeradas.
Também é comum, nessas cidades, entrar numa galeria para comprar uma escultura e sair sem saber quantas cópias dela existem. Isso significa que o valor do que você está comprando pode ser bem inferior ao que está pagando.
Caso semelhante foi vivido por Renato Magalhães Gouvêa, respeitado leiloeiro de São Paulo.
Gouvêa viu no catálogo da exposição de Brecheret, atualmente em cartaz no Mube (Museu Brasileiro da Escultura), a foto de uma escultura exatamente igual a uma que possui: ``Virgem Oriental".
``Ganhei a escultura da própria viúva de Brecheret, ainda nos anos 50", conta. ``Era a única `Virgem Oriental' que ele tinha feito. Agora, de repente, vejo outra igual."
Sandra Brecheret disse à Folha que ``de vez em quando" manda fazer uma cópia de um molde original. ``Mas nunca deixo haver mais do que quatro, cinco cópias de um original", afirma.
Ela diz ter controle das tiragens. Para tanto, faz em código uma numeração das obras. O código é uma sequência de oito números atribuída por computador. Só ela e o marido, o juiz Luis Fernando Pellegrine, sabem decifrá-lo.
Mas o casal não sabe, por exemplo, informar quantas obras Brecheret legou. A listagem que possuem é incompleta. ``Falam em 480, até em 600, mas não sabemos quantas são", diz Pellegrine. ``E há muitas peças na Europa, onde Brecheret morou vários anos."
Mas há dois senões. O primeiro é que a praxe internacional é numerar as cópias de bronze, já que o artista em geral, como Rodin (leia texto ao lado), entrega a um fundidor a tarefa de fazê-las.
O outro senão é apresentado pelo Código de Defesa do Consumidor, de 1990. Segundo o advogado Glauco Martins Guerra, o código diz que o consumidor tem direito à informação ``adequada e clara" sobre os produtos e serviços e que cabe ao fornecedor dá-la.
``Caberia então às galerias", diz Guerra, ``informar ao comprador da escultura que aquela peça tem `x' cópias no mercado."
Outros advogados especializados, como Newton Silveira e José Carlos Costa Neto, concordam. ``Se você pensar por esse ponto de vista", diz Costa Neto, ``a numeração é fundamental."

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