São Paulo, sexta-feira, 2 de junho de 1995
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O PSDB e as reformas

JOSÉ ANÍBAL

As instituições políticas brasileiras -em particular o Congresso Nacional- estão dando provas de grande vitalidade. Apesar de tortuoso e muitas vezes surpreendente, o processo político vem demonstrando que o regime de amplas liberdades e plena participação política favorece a realização da reforma do Estado e a estabilização da economia.
Graças à democracia é possível conviver com um conflito trabalhista do porte da greve dos petroleiros e, quase simultaneamente, reformar a ordem econômica do país, o que inclui a flexibilização do monopólio do petróleo.
Na verdade, o passo que agora está sendo dado pelo governo federal, com o apoio do Congresso Nacional, ultrapassa a conjuntura. As reformas propostas pelo presidente Fernando Henrique Cardoso -na ordem econômica, patrimonial, tributária, administrativa e previdenciária- representarão a superação das amarras que freiam o nosso desenvolvimento. Sem elas, é impossível a estabilidade duradoura da economia e a retomada do crescimento com uma melhor distribuição da renda nacional.
Se compatibilizar democracia e desenvolvimento sempre foi muito difícil na história brasileira, reformar o Estado em regime de amplas liberdades é algo inédito. Não é à toa que o jogo político foi embaralhado a tal ponto que os principais adversários das reformas são políticos que participaram da oposição ao regime autoritário.
Lula, Brizola e Quércia agora assumem uma posição de intransigente defesa do modelo de Estado que surgiu da ditadura Vargas e foi consolidado pelos militares após o golpe de 1964. Parados no tempo, assumiram uma posição nitidamente conservadora.
A opção feita pelo presidente Fernando Henrique Cardoso é legitimada pelo resultado das urnas. Corresponde à nova realidade mundial. Com a crescente globalização da economia e a democratização progressiva da política mundial, o velho modelo nacional-autárquico esgotou seu papel. O fim da bipolaridade nas relações internacionais e a terceira revolução industrial liquidaram suas possibilidades de sobrevivência. É esse modelo ultrapassado pela marcha da história que a oposição teima em defender.
As reformas agora iniciadas precisam ser encaradas numa perspectiva estratégica. Elas não serão obra exclusiva do governo Fernando Henrique Cardoso nem de seus aliados. São exigências do nosso tempo e demandarão o esforço de toda a sociedade, de uma geração inteira.
São obra para sucessivos governos com orientação reformista e modernizadora. Somente um esforço contínuo e prolongado das forças políticas e sociais comprometidas com o desenvolvimento e a democracia efetivará soluções estruturais para os grandes problemas nacionais.
País de dimensões continentais e culturalmente aberto, com um parque industrial importante e uma agricultura moderna, para se integrar à economia mundial de forma competitiva, o Brasil enfrenta gargalos de infra-estrutura que exigem grandes investimentos.
O Estado não tem meios de resolvê-los sozinho e somente em parceria com a iniciativa privada, nacional e estrangeira, pode encontrar soluções adequadas às necessidades nessa área.
Maciços investimentos em energia, transportes e telecomunicações são essenciais para a expansão da indústria, da agricultura e dos serviços em bases sólidas, interiorizando o desenvolvimento e modernizando a economia.
De igual maneira, não há perspectiva de solução de cima para baixo para os problemas estruturais da saúde, da educação, dos transportes urbanos e da habitação popular. O esforço de melhoria contínua das condições de vida da população exige a mobilização social ampla e grandes investimentos públicos, possíveis apenas num contexto de recuperação econômica.
No momento atual, somente iniciativas emergenciais, como o programa Comunidade Solidária, são possíveis de serem executadas. Apesar de limitadas às áreas de miséria absoluta, tais iniciativas apontam um caminho novo de gestão dos recursos públicos e cooperação governo-comunidade.
Essa perspectiva pressupõe uma política de alianças muito clara e ousada de parte do PSDB. Exige a consolidação do bloco político que venceu as eleições e agora garante a aprovação das reformas constitucionais no Congresso Nacional.
Os compromissos que estão sendo tecidos durante a aprovação das reformas vão muito além da ocupação de cargos e conveniências eleitorais momentâneas. Engendram uma parceria de longo prazo, pluralista e programática, que se desdobra no plano regional.
A atuação concreta dos partidos no Congresso Nacional e seu comportamento em relação ao governo, neste processo, devem ser objeto de reflexão. De imediato tornam evidente que o PSDB precisa repensar seu papel como partido social-democrata. As motivações que levaram à fundação do PSDB permanecem válidas, mas seu programa -que buscava oferecer uma nova alternativa de poder- foi ultrapassado pelas responsabilidades de governo e as reformas.
O exercício do poder exige coesão e firmeza do PSDB, a partir de uma plataforma clara e consistente. Para isso, é preciso um ajuste programático. O partido -e sua aliança com os liberais- não pode prescindir de uma nova alternativa de renovação democrática, desenvolvimento sustentado e combate às injustiças sociais.

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