São Paulo, domingo, 4 de junho de 1995
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Vicentinho ataca "fraqueza" de FHC e diz que greves "não param por aí"

JOSÉ ROBERTO CAMPOS
DA REPORTAGEM LOCAL

A Central Única dos Trabalhadores perdeu com a greve dos petroleiros sua primeira batalha com o governo de Fernando Henrique Cardoso. Se depender do presidente da CUT, Vicente Paulo da Silva, 39, a derrota não significa que a central foi atingida mortalmente.
``O governo deve se preparar para os conflitos que virão, as coisas não vão parar por aí", diz Vicentinho. Ele afirma que o governo foi truculento, incapaz de negociar e vem ferindo acordos estabelecidos para várias categorias.
Vicentinho reconhece o desgaste público causado à imagem da central, criado pelas dificuldades que a falta de combustíveis causou à população. Mas não reconhece que a estratégia do governo deu certo. ``Foi uma posição de fraqueza", rebate. ``Fernando Henrique é vaidoso e vingativo".
Vicentinho admite que a bandeira da defesa do monopólio pode ter saído arranhada da greve, mas afirma que esta questão nunca esteve em jogo na paralisação -a disputa, segundo ele, foi puramente salarial.
O presidente da CUT concedeu entrevista à Folha na quinta-feira, quando já vislumbrava a volta ao trabalho.

Folha - Como o sr. avalia a greve dos petroleiros?
Vicentinho - Ela me fez lembrar a greve que fizemos em 80, de 41 dias. Os empresários diziam que não negociavam, os meios de comunicação foram usados fortemente contra a greve, o Tribunal julgou, na primeira vez, a greve ilegal. Houve muitas demissões, Exército e prisões.
A diferença é que hoje não há prisão e o governo não é de um general, mas de um presidente da República. O mais interessante é que agora, no setor privado, vivemos uma relação de respeitabilidade. Os empresários e os trabalhadores evoluíram. Os empresários aprenderam que negociar é importante em qualquer momento -antes, durante e depois da greve. O governo está fazendo atualmente coisas que o empresariado fazia há muitos anos.
Folha - O sr. não esperava que o governo usasse o Exército na greve?
Vicentinho - Não. Não existia nenhuma ameaça ao patrimônio. Os petroleiros gostam muito do seu ambiente de trabalho.
Reconheço que estamos sofrendo um desgaste perante a sociedade e que eu poderia, como presidente da CUT, ter uma postura populista e deixar que os petroleiros se virassem sozinhos. Do mesmo jeito que apostamos na greve e ajudamos, também apostamos na negociação.
Folha - O Lula disse que se dependesse dele e do sr. esta greve já teria terminado há algum tempo. Qual foi exatamente sua posição?
Vicentinho - Acrescentaria que se fosse pelo Lula, por mim e também pelo comando de greve, ela já teria acabado. Pelo lado dos trabalhadores também teria acabado.
Mas há uma coisa: como se dá o retorno. O governo está plantando uma bomba de efeito retardado. Obrigar os operários a voltar na marra vai causar um grande aborrecimento. O trabalhador não esquece facilmente como ele é tratado. Acho que isto é muito ruim para o ambiente de trabalho, para a qualidade, para a produtividade.
Folha - O sr. já liderou muitas greves. No caso dos petroleiros, usaria uma tática diferente?
Vicentinho - Estou preocupado com greves que tenham um reflexo sobre a comunidade, saúde, educação, petróleo. Devemos estar sempre abertos a idéias para fazer com que greves nesses setores tenham o menor efeito possível sobre as comunidades.
Folha - Os petroleiros agiram corretamente?
Vicentinho - Esta greve, para nós, não era uma greve que deveria demorar tantos dias. Era uma greve rápida. Bastava o cumprimento do acordo ou a discussão.
Antes houve uma greve, pediram para voltarmos ao trabalho, voltamos e não se negociou. Houve outra, aconteceu a mesma coisa. Perdeu-se a confiança. E quando uma categoria perde a confiança numa diretoria, como a da Petrobrás, as coisas ficam muito difíceis.
Folha - Não foi uma situação delicada manter uma greve após a Justiça do Trabalho ter julgado duas vezes a greve abusiva?
Vicentinho - Na greve de 80, no ABC, também se dizia a mesma coisa.
Folha - Em 80 havia uma ditadura.
Vicentinho - Mas a Justiça do Trabalho era a mesma. E os jornais que escreviam contra a greve não eram jornais da ditadura, eram da sociedade civil. Desde 78, quando começou a história recente das greves, nunca uma greve foi julgada legal. Só uma foi julgada não-abusiva, mas nenhuma legal.
Folha - É um problema dos juízes ou da lei?
Vicentinho - As duas coisas. Se tivéssemos que nos basear na orientação da Justiça do Trabalho, nunca teríamos feito greve, não teríamos aumentos salariais nem teríamos contribuído para um novo patamar de relacionamento capital-trabalho como o que existe hoje no ABC. Estaríamos tão defasados como a Justiça do Trabalho.
Folha - O acordo reivindicado pelos petroleiros foi contestado, não foi assinado por vários participantes da reunião.
Vicentinho - Houve um erro. Ele era para ter sido registrado na Justiça do Trabalho, inclusive. Mesmo assim, isto não é motivo para quebrá-lo. Prefiro que nos digam um ``não" verdadeiro do que dez ``sim" falsos. Se a palavra do presidente da República não tem validade, em quem se vai confiar?
Folha - Não foi prejudicial à CUT misturar a greve com sua rejeição à quebra do monopólio da Petrobrás?
Vicentinho - A CUT tem uma posição contra a quebra dos monopólios. Mas a greve, de maneira nenhuma, teve a ver com a questão do monopólio. Ela era pelo cumprimento de um acordo.
Folha - A greve não teve um efeito bumerangue de generalizar um sentimento a favor da quebra do monopólio?
Vicentinho - Sob bases falsas, teve este efeito. Mas as greves de hoje decorrem do fato de termos um plano, que é positivo, porque acabou com a inflação, mas que está baseado em duas âncoras perversas.
Uma, a dos juros altos, que está quebrando empresas. Outra, a dos salários dos trabalhadores brasileiros. No setor público isto é mais grave, porque além de arrochar salários, o governo quebra acordos, como o dos trabalhadores da Telebrás, dos Correios e de várias categorias.
O governo deve se preparar para os conflitos que virão, as coisas não vão parar por aí. E vai ter conflito não porque queremos, mas porque seremos obrigados a lutar por nossos direitos. Ninguém faz greve por prazer ou por alegria. Teve conflito ontem, vai ter hoje e vai ter amanhã. O governo precisa se preparar urgentemente para administrar conflitos trabalhistas.
Não dá para transformar o funcionalismo público em inimigo público número um.
Folha - Por que a CUT é a favor do monopólio?
Vicentinho - Porque achamos que uma nação que se preza deve ter controle de um bem estrategicamente importante, para sua autonomia política e financeira.
Quebrar o monopólio não significa que o petróleo vai para a mão de João ou de um empresário brasileiro. Vai para as mãos de grandes empresas multinacionais. O país fica vulnerável em relação ao mundo.
Folha - Há uma percepção de que a CUT se preocupa com os servidores públicos porque eles já formam maioria na entidade.
Vicentinho - O segmento público estatal significa 3% na nossa central. O setor público e estatal, juntos, significam 25,5%. O setor privado, 73,9%. Isto mostra que eles não são maioria.
Folha - Ao defender o monopólio e a estabilidade dos servidores, a CUT não parece estar defendendo a ineficiência, mordomias, excesso de pessoal e péssimos serviços prestados à população?
Vicentinho - Não. Se as pessoas defendem a quebra dos monopólios para terem um bom serviço, temos é de brigar para termos um bom serviço. Há mazelas? Vamos acabar com as mazelas. Não é preciso quebrar o monopólio para acabar com isto.
Folha - Por que a CUT é contra toda e qualquer demissão no setor público?
Vicentinho - Não é. Defendemos a estabilidade porque se ela for quebrada, qualquer prefeito, governador ou presidente vai querer colocar a sua turma e trocar a que existe. Achamos que se alguém usurpa o Estado, não pode estar no Estado.
Se há ineficientes, há que se discutir a forma de se obter eficiência. Se no setor privado se discute voluntariado para as demissões, por que não fazer o mesmo no setor público?
O governo não estimula, em absoluto, qualidade e produtividade no setor público. Ele dá a impressão de que todo mundo é vadio.
Folha - Os setores mais radicais estão ganhando mais espaço na central?
Vicentinho - Não é verdade. Esta semana discutimos a greve geral. Votou-se que não se deveria fazer uma greve geral agora. Isto prova a correlação de forças na central. Há coisas que propagamos unanimemente.
Se quiserem chamar de radicais, que chamem todos nós. Não concordamos com o projeto de arrocho dos salários do governo, de transformar o país em uma grande Zona Franca. Outra coisa comum: nenhuma tendência aqui concorda em ficar jogando pedra no presidente ou atingir pessoas como fizeram com o Mário Covas.
Folha - Não predomina em parte da CUT o antigo grevismo?
Vicentinho - Nos segmentos onde o empresário tem uma postura de respeito à organização sindical, de diálogo e negociação, as greves diminuíram. Onde o empresário continua truculento, há problemas.
Veja a diferença do governo Fernando Henrique Cardoso com o de Covas. O Covas, apesar da herança que recebeu, de nossas divergências e dos salários, que são muito baixos no Estado de São Paulo, sempre conversou. FHC nos trata com desdém, tem um comportamento vaidoso, vingativo.
Folha - O sr. tentou conversar com ele?
Vicentinho - Uma vez. Sou um homem de brio. Depois não o procurei mais.
Folha - O governo argumenta que não pode atender os petroleiros porque depois todos os trabalhadores do setor público exigiriam as mesmas coisas.
Vicentinho - Este é um governo de mãos atadas. Tenho a impressão que FHC não tem poder. Como demonstra uma personalidade frágil, ele acaba não exercendo o poder. Ele está rodeado por Antônio Carlos Magalhães e pela direita conservadora. Não precisava de Exército, nem de demissões. Para mim, isso é fraqueza.

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