São Paulo, domingo, 4 de junho de 1995
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Paralisação prova falência da legislação, diz consultor

ELEONORA DE LUCENA
SECRETÁRIA DE REDAÇÃO

É preciso mudar a legislação trabalhista, diminuir os poderes da Justiça do Trabalho e acabar com a reserva de mercado dos sindicatos. A opinião é de José Pastore, 60, consultor e professor de Relações do Trabalho da Faculdade de Economia da Universidade Federal de São Paulo.
Para ele, a longa greve dos petroleiros resultou de um sistema anacrônico, que dificulta a negociação, e serviu para mostrar que é necessário mexer com as regras no campo do trabalho.
A derrota dos petroleiros deve provocar desgaste apenas passageiro para a CUT (Central Única dos Trabalhadores), avalia Pastore. Leia abaixo os principais trechos da entrevista, realizada na última quarta-feira, na sede da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).

Folha - Qual sua opinião sobre a greve dos petroleiros?
Pastore - A greve foi decorrência de um sistema muito anacrônico na nossa legislação trabalhista. De um lado você tem o monopólio sindical -uma vez formado um sindicato, ele tem a reserva de mercado. De outro lado, você tem o monopólio da Justiça do Trabalho, que é o único órgão que pode dirimir conflitos.
Nós temos um sistema que conspira contra a negociação e instiga o conflito. Onde há Justiça do Trabalho -porque a maior parte dos países não tem Justiça do Trabalho-, ela se limita a julgar conflitos de natureza jurídica e não econômica. Qual é o preparo que um juiz tem para saber se é 30% de aumento ou se é 2%? Isso é uma coisa retrógrada.
Folha - O sr. acha que não deve haver Justiça do Trabalho?
Pastore - Não deve haver o poder de entrar em conflitos de natureza econômica. No Brasil, a Justiça se mete em tudo que é problema. E mais complica do que acerta. Tanto é assim que nós temos hoje 2 milhões de processos trabalhistas e a França tem 60 mil. O Japão tem mil. Ou seja, esses países estão empenhados em ter um sistema que previne o conflito.
Nós temos um sistema que instiga o conflito e quer tratar dele dentro do tribunal. Leva um tempão, não resolve nada e deixa as partes insatisfeitas.
Eu fiz um estudo sobre a Justiça do Trabalho e cheguei à conclusão de que para julgar R$ 1, a Justiça gasta R$ 1. Então qual é o benefício? Esse poder normativo é uma coisa que magistrados e advogados querem preservar.
Eu suspeito que o governo também gostaria de preservar isso. Porque ele gosta quando o tribunal entra e rapidamente diz que a greve é ilegal e abusiva.
Folha - O sr. acha que o tribunal é utilizado politicamente pelo governo?
Pastore - Não digo isso. Suspeito que o Poder Executivo tema a idéia de a Justiça sair fora dos conflitos econômicos, porque ele é um grande empregador. Eu não quero dizer que um país que não tenha isso não tenha greves, mas elas são em geral mais curtas. São resolvidas diretamente entre as partes e deixam menos sequelas.
A grande lição que essa greve deve deixar é: está mais do que provado que o nosso sistema é instigador de conflito e que a nossa Justiça não tem condições de resolver conflitos de natureza econômica.
Folha - Essa realidade justificaria a posição dos petroleiros de desafio à Justiça?
Pastore - O que eu estou questionando é a validade da regra do jogo. Mas, uma vez estabelecida a regra, então o jogo tem que ser jogado. Não sou advogado, mas acho que houve um entendimento feito com o ministro de Minas e Energia, no ano passado, com o testemunho do presidente da República. Eu acho que pelo menos a base de uma discussão havia.
Folha - O que vai acontecer agora no terreno sindical? A CUT sai muito atingida?
Pastore - Acho que há um desgaste só de curto prazo. A população tem memória curta. Daqui a três meses ninguém mais lembra disso. A CUT tem raízes mais profundas, é um movimento que vai além do sindicalismo. Ela penetra nos bairros, no meio rural, tem palavras para desempregados. Acho que seria uma superestimação essa conclusão de que essa derrota quebrou a CUT.
Folha - Alguma outra central pode se fortalecer durante o desgaste da CUT?
Pastore - Não vejo ninguém disputando esse espaço porque as centrais estão muito segmentadas. Você vê que a CUT tem uma incidência grande nos monopólios e oligopólios e nos despossuídos.
A Força Sindical tem uma incidência grande no setor privado competitivo, mas não tem mensagem para os despossuídos. É muito difícil que de repente uma central venha querer substituir a CUT e entrar nesse mercado.
Folha - Qual é a sua proposta para a área trabalhista?
Pastore - É preciso criar um sistema trabalhista menos conflitivo, mais ágil, para enfrentar a revolução tecnológica e a competição internacional. Para isso ele tem que deixar de ser um sistema de muita legislação e pouca negociação. Hoje não temos rapidez para fazer modalidades novas de contratação de trabalho, nem de remuneração.
Há países que quando enfrentam uma recessão podem contratar com menos encargos sociais. Os países da Europa têm até dez modalidades de contrato. Nós temos uma só. Ou você contrata com todos os encargos sociais, ou você vai para a ilegalidade.
Folha - Na sua opinião, o que deveria ser feito?
Pastore - É necessário flexibilizar os direitos trabalhistas, acabar com a reserva de mercado dos sindicatos, instituindo o pluralismo sindical, e restringir o poder da Justiça do Trabalho apenas aos conflitos de natureza jurídica.
Folha - Com a grande concentração de renda existente no Brasil é possível propor mudanças nos direitos trabalhistas na Constituição?
Pastore - Mais brutal do que essa situação seria querer resolver o problema da pobreza aumentando direitos na lei, achando que a lei trabalhista tem força para resolver isso. A realidade mostra que quando você amplia os direitos, diminui o número de protegidos.
Folha - Os direitos de hoje em parte foram doados pelo Estado, na época de Getúlio Vargas, em parte foram conquista dos trabalhadores. Mudar isso não seria um recuo do ponto de vista dos empregados?
Pastore - Eu acho que houve conquistas. Mas esse sistema fez sentido numa economia fechada, pouco competitiva. Agora a economia é competitiva, globalizada. Os ``outsiders" não querem ser mais exército de reserva. Querem ser ``insiders" e esse é o desafio.

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