São Paulo, domingo, 4 de junho de 1995
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A sueca e os negros

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
EDITOR DE DOMINGO

A polêmica em torno da opção sexual de Zumbi, que vem gastando tinta na Folha e em outros veículos, tem lá seus atrativos.
Menos pelo estabelecimento definitivo do perfil pessoal, e sexual, do líder de Palmares -uma tarefa difícil, com as fontes disponíveis- e mais por expor aquilo que o jargão militante chamaria de ``contradições no seio" dos movimentos das minorias.
Como se sabe, o antropólogo e militante gay Luiz Mott, da Bahia, levantou o babado, reunindo alguns indícios de que o líder negro poderia ter sido um adepto do mundinho à sua época.
Teria mesmo o duplamente ultrajante apelido de Sueca -que atentaria contra cor e virilidade.
Os indícios de Mott, que evidentemente se interessou pelo assunto por ser um ativista homossexual, não são conclusivos. Mas parecem ter valor como ponto de partida para uma indagação.
Há quem considere o antropólogo exagerado e o chame de anti-heterossexual. Mas, ainda assim, a histeria de setores do movimento negro em torno da hipótese revela como os preconceitos se entrecruzam e se disseminam assimetricamente na sociedade.
As respostas que Mott recebeu não se revelaram fruto de preocupação estudiosa com o estabelecimento de um fato histórico. Expressaram, antes, a vontade erigir um mito heróico para representar a potência étnica dos negros. Uma personalidade, enfim, a ser cultuada -como Caxias para os militares ou Stálin para comunistas.
Como nesse modelão de monumento o homossexualismo não cai muito bem, tenta-se desqualificar e intimidar o autor da suspeita.

Culpas e desculpas
Jornalistas no Rio de Janeiro reivindicam aposentadoria exepcional, julgando-se prejudicados pelo regime militar.
Bem, muita gente foi prejudicada pelo regime militar. Alguns nitidamente, outros nem tanto. Pode-se atribuir aos militares "prejuízos" que aconteceriam também em regimes democráticos.
Mas, sejamos francos: muitas reputações no período foram, na realidade, construídas graças ao regime militar.
O mito do jornalista, do diretor teatral, do compositor ou do escritor "perseguido", faturando sua suposta "marginalização" pela ditadura, enganava poucos na época.
Muito chato de galocha enchia a cara e culpava os militares pelos seus fracassos.
Nulidades triunfaram em diversas áreas escondendo a incompetência sob a capa preta da "postura de esquerda".
Gente que, terminada a ditadura, ficou sem ter o que falar e passou a viver nas cavernas do rancor.

Palavra perdida
Ok, a greve dos petroleiros foi abusiva, prejudicou a população, houve exploração política, radicalizações e a CUT demonstrou, mais uma vez, que pensa com o cérebro de papagaio do nacionalismo estatizante.
Mas, convenhamos, ainda que esse tenha sido apenas o álibi do movimento, é um papelão um presidente da República firmar um protocolo com uma categoria de trabalhadores e depois o trato ser considerado simplesmente sem valor pela Justiça do Trabalho.
Como diz o professor José Pastore, nesta página, os tribunais trabalhistas parecem contribuir mais para o conflito do que para a negociação - e são mais uma das manias brasileiras, que não existem em outros países.
"Foi o Itamar", murmura-se, como se as instabilidades do ex-presidente fossem justificativa para considerar o acordo como mera birutice.
O fato é que os petroleiros não tinham a assinatura do guardinha do Alvorada, tinham a palavra do presidente da República, com a concordância formal do então ministro Fernando Henrique.
O recuo, embora diluído nos prejuízos gerais causados pelos petroleiros, não deixa de contribuir para o desprestígio da figura institucional do presidente.
Tem o efeito de uma pedrada no automóvel do primeiro mandatário. Só que atirada por seu próprio ocupante.

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