São Paulo, domingo, 4 de junho de 1995
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Traficante vira informante de ambientalista

VICTOR AGOSTINHO
ENVIADO ESPECIAL A PETROLINA (PE)

Carlinhos das araras, 34, um dos mais ``respeitados" traficantes de animais silvestres do país, saiu da prisão e começou a ajudar os ambientalistas.
Ele agora é consultor da não menos respeitada Wildlife Conservation Society (WCS), uma organização não-governamental norte-americana com projetos preservacionistas na Ásia, Europa, Estados Unidos e América Latina.
Esquisito? Não, afirmou por telefone à Folha Charles Munn, 40, pesquisador norte-americano da WCS responsável pela contratação de Carlinhos.
Munn explica que a idéia de ter pessoas com o perfil do ex-traficante trabalhando com ambientalistas não é nova e vem dando certo no mundo todo, inclusive no projeto Tamar -que preserva na Bahia e em Fernando de Noronha as tartarugas marinhas.
``Os caçadores conhecem os animais, seu hábitat, onde encontrá-los, quem os caça. Podem fornecer informações muito importantes que os cientistas levariam anos para alcançar a um custo de milhões de dólares."
Segundo Munn, Carlinhos -ou melhor, Luiz Carlos Ferreira Lima, curso primário completo, casado, três filhos e uma renda de US$ 10 mil mensais no auge da carreira-, começou a chamar a atenção da WCS em 1987, quando sua fama de ``expert" no contrabando de animais silvestres já estava construída. Carlinhos debutou no ``negócio" aos 13 anos, como aprendiz de Nascimento, outra lenda no tráfico de animais que atuava na cidade de Floriano (PI).
Destruição
Pode-se dizer que Carlinhos ajudou a dizimar, com seu ``trabalho", diversas populações de animais. Só de araras Carlinhos fala que vendeu ``muito mais" de mil. Papagaios ele estima que distribuiu pelo país todo também ``muito mais" que 5.000. Jaguatiricas ``outro tanto". Macacos, idem. A relação vai longe.
Mas o que ajudou na aproximação do ``mal" e do ``bem" foi a prisão em flagrante de Carlinhos, feita pela Polícia Federal da Bahia em março de 94. Ao contrário das duas outras vezes em que foi preso, desta ele não saiu rápido.
Ficou oito meses na cadeia e foi condenado a oito anos de prisão. Gastou suas economias pagando advogado e quase perdeu a mulher, Gracilda Araújo Lima, 29, historiadora formada pela faculdade de Petrolina, que falou em separação caso ele não abandonasse a profissão.
Conseguiu um habeas corpus e hoje cumpre pena em regime semi-aberto. Isso significa que, se for pego de novo comercializando animais silvestres, não vai mais conseguir sair da cadeia.
US$ 1.200 por mês
Sabendo disso, a WCS pediu a um emissário, o ornitólogo Pedro Lima, 37, do Cetrel (Empresa de Proteção Ambiental do Pólo Petroquímico de Camaçari), que verificasse se Carlinhos havia abandonado o tráfico.
Como a resposta do cientista baiano foi positiva, a WCS ofereceu a Carlinhos salário de US$ 1.200 mensais pela consultoria.
O trabalho dele, basicamente, consiste em fornecer informações sobre a localização das populações de animais silvestres que os cientistas estão pesquisando.
O primeiro resultado já foi obtido. Munn conta que conseguiram localizar araras azuis de lear (que estão em extinção) fora do Raso da Catarina (semi-árido baiano).
Cerca de 40 dessas araras, de acordo com Carlinhos, vivem em uma região de Pernambuco que Munn, e muito menos Carlinhos, dizem onde fica com medo de que sejam apanhadas por caçadores.
``Só essa informação custaria para a WCS anos de pesquisa e US$ 1 milhão", disse Munn.
Outra verdadeira bomba nos meios científicos, que está sendo checada pelo ornitólogo Pedro Lima, é a afirmação de Carlinhos de que não existem só duas ararinhas azuis soltas em Curaçá (Bahia).
Carlinhos jura que viu outras quatro voando há cerca de quatro anos bem perto de Curaçá.
``Nesse tempo, ninguém apanhou esses bichos. Se apanhassem, viriam oferecer para mim. Elas também não foram mortas, eu saberia", afirmou Carlinhos, com a certeza de quem chegou a ter uma rede com informantes e ``apanhadores" que reuniu mais de mil pessoas.
O ex-traficante explica as duas formas como os ``apanhadores" caçam as araras: a primeira é com redes. A outra é com visgo (espécie de cola) da árvore paraju. O local onde a arara costuma pousar é untado com esse visgo. Assim que o animal pousa, é retirado pelo caçador, que está à espreita.
Imediatamente a ave tem sua asa cortada ou as penas da asa arrancadas (processo mais dolorido, mas que garante uma reposição de penas mais rápida).
Os animais são despachados para outras cidades e Estados, principalmente em caixas nos bagageiros de ônibus. ``Os motoristas dos ônibus nem ficam sabendo que estão carregando bichos no porta-mala", disse Carlinhos.

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