São Paulo, domingo, 4 de junho de 1995
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Política do governo não é sadomasoquista, diz Serra

VALDO CRUZ; MARTA SALOMON

Folha - A política de juros pode mudar com a substituição de Pérsio Arida no Banco Central?
José Serra - A saída do Pérsio não teve rigorosamente nada a ver com juros e a política não muda. O acontecimento é neutro em relação à política monetária.
Faço uma avaliação de que juros altos são indesejáveis e, na medida em que formos atacando as causas -os juros são consequência e não causa-, eles podem ir declinando gradualmente, não haverá nada brusco.
A queda gradual já está acontecendo. Por definição, não prevejo números, mas a tendência é o declínio lento, gradual e espero que seguro.
Folha - Há setores da economia reclamando dos juros, dizendo que traz recessão. Como o sr. avalia essas pressões?
Serra - Isso é normal. O processo de política econômica no Brasil e em qualquer país sempre é conflitivo. Especialmente no nosso caso, que saímos de um processo de superinflação de 15 anos e que muita coisa ficou desajustada.
Cada setor tem uma equação e, às vezes, a equação é bem formulada. O problema do governo é que ele tem que administrar um sistema inteiro de equações, da agricultura, do comércio, da indústria e a dos importadores de automóveis.
Folha - O governo não exagerou na dose do aperto?
Serra - Isso é um absurdo. Os juros estão altos em consequência do excessivo aumento do crédito e da economia, no sentido de que esse crescimento não é sustentável e bate em curvas inflacionárias.
Eu disse que, na medida que as causas forem sendo enfrentadas, é possível uma redução gradual.
Folha - O que o sr. acha das avaliações de empresários de que a atual política pode gerar uma quebradeira?
Serra - O processo de abertura no Brasil foi muito forte. Neste século, poucas economias se abriram tão rapidamente quanto a brasileira. E quando isso acontece, é natural que haja desajustes porque a política econômica não é um chá de senhoras, um chá japonês, tudo arrumadinho, delicado.
Portanto, é natural que você vá fazendo retificações, procurando dotar o país de instrumentos contra práticas desleais de comércio, que existem no mundo inteiro.
O Brasil talvez seja o país que está menos equipado contra práticas desleais de comércio. E, ironicamente, quando se fala nisso, acham que é antiliberal.
Mas os países mais liberais do mundo têm esses instrumentos e os utilizam ativamente. O próprio México, que até há pouco era o ``enfant gaté" (criança mimada) da comunidade financeira internacional, adotou medidas bastante drásticas em relação ao dumping (venda de produtos abaixo do custo de produção para liquidar a concorrência) no exterior, inclusive em relação à China.
Folha - Nesse processo de ajuste, o sr. prevê que algumas empresas acabarão fechando as portas ou o governo deve buscar um fortalecimento da legislação antidumping?
Serra - O dilema não é pertinente. E o governo não tem nenhuma intenção de patrocinar política econômica para fechar empresas. Para nós, a economia não é altar de sacrifícios sadomasoquista. Mas é evidente que as empresas precisam investir mais na eficiência e na competitividade.
É evidente também que no Brasil investiram pouco. E uma das causas foi a superinflação e o protecionismo. Então, a nova fase da economia, da estabilidade, implica na luta pela eficiência e muitos não estão acostumados com isso.
Folha - Pérsio Arida defendia a desindexação já a partir de julho, sem gradualismo. A saída dele enfraquece essa posição dentro do governo?
Serra - A saída do Pérsio é uma perda para o governo. Teria sido melhor que não saísse. Mas o prejuízo da saída dele não é irremediável. Não há um jogo de dois times em relação à desindexação. Essa não é uma questão controversa no do governo.
Folha - Qual é o consenso?
Serra - Digamos que as discussões a respeito deste tema têm como referência unicamente aspectos de natureza prática, não há divergência conceitual. E o consenso será conhecido quando a proposta estiver formulada. Nós não vamos antecipar. Não há pressa.
Folha - Há uma expectativa de que os salários serão desindexados já, mas no caso da TR e da Ufir o governo estaria optando pelo fim gradual destes indexadores. Esta análise é correta?
Serra - A TR não é indexador, é uma taxa de juros. Os salários estão indexados, a Ufir também, de certa forma, mas a TR não. Muita gente faz confusão. Você pode até mudar ou não mudar a TR, mas não é problema de desindexação da economia. A Ufir é sem dúvida um indexador e estamos examinando.
Folha - Qual é a meta para a queda da inflação?
Serra - A meta é a desindexação. Eu não faço previsões sobre a inflação. A nossa meta é ter inflação bem mais baixa até o final do governo. Quando a inflação está em 2.000%, para chegar a 30%, é uma coisa.
Para passar de 30% a menos de 10% é outro departamento. Porque você tem claramente um processo de natureza diferente, tem os elementos estruturais. Você tem herança do período de superinflação, com dificuldades que devem ser enfrentadas: taxa de juros da agricultura, aumento de preços de serviços pessoais, aluguéis, mensalidades escolares etc., problemas de diferentes setores em relação à abertura da economia.
Folha - Mas para chegar a inflação anual de 10% o governo poderá recorrer a uma recessão?
Serra - Não, porque o governo não é sadomasoquista, insisto. A economia não é um altar de sacrifício, nem uma discoteca, do ponto de vista de excitação.
Folha - O sr. está convencido de que está no momento da livre negociação dos salários?
Serra - O critério é a livre negociação, mas não definimos ainda a fórmula, se vai haver transição ou não. Até 1964, no Brasil não havia fórmula salarial.
A idéia de que os salários precisam ser regidos por uma lei nasceu no regime autoritário. Posteriormente, virou patrimônio da esquerda e do sindicalismo. Curioso isso. E não deixa de ser paradoxal.
No mundo inteiro, 90% dos países de economia mais industrializada não têm fórmula salarial geral para a economia, e você tem bons salários. No Brasil, isso é difícil de conceber.
Então, temos de colocar o Brasil no caminho de maior liberdade de negociação. É quase um fenômeno único do mundo o que ocorre no Brasil. Daqui a pouco, seremos objeto de curiosidade científica (risos): virão estudantes irlandeses fazendo tese de mestrado sobre como se imagina um país regulamentar salários por lei.
Folha - O governo enfrentou uma greve que durou mais de um mês. O governo queria dar uma lição nos sindicalistas?
Serra - O governo não pretendia dar nenhuma lição, mas temos uma política de austeridade em relação às empresas, necessária economicamente para a eficiência das empresas e para deter a inflação. Essa política vai ser seguida. É muito importante cumprir a lei.
Vimos que a exacerbação do corporativismo acaba isolando os movimentos reivindicatórios do resto da população. Certamente, os sindicatos vão aprender isso.
Folha - O sr. atribui o novo déficit na balança comercial de maio à greve dos petroleiros?
Serra - Os dados da balança comercial de maio não estão disponíveis, estarão só em meados de junho. Portanto, tudo o que foi dito são hipóteses.
Eu mesmo formulei uma hipótese, e o Malan também. É perfeitamente legítimo. Não era uma análise científica. A minha expectativa não era ter um equilíbrio neste mês (maio).
Folha - E quando acontecerá o equilíbrio?
Serra - O equilíbrio virá pouco a pouco, porque as medidas que você vai tomando têm efeito defasado.
Folha - E o equilíbrio no Orçamento da União? O governo anunciou cortes de R$ 9,5 bilhões, e depois não se falou mais no assunto.
Serra - Os cortes estão sendo feitos. A expectativa é chegar ao final do ano com déficit zero.
Folha - O presidente Fernando Henrique está contando com a retomada de investimentos. Qual a sua expectativa para 95?
Serra - Está acontecendo no Brasil uma retomada muito acelerada dos investimentos. O nosso propósito é que este ano se eleve entre 18% e 19% do PIB (Produto Interno Bruto, soma dos bens e serviços produzidos no país). Até 94, estava em torno de 16%.

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