São Paulo, domingo, 4 de junho de 1995
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O Real vai bem, apesar dos juros

ÁLVARO ANTÔNIO ZINI JR.

Todo plano de estabilização bem-sucedido contém três componentes conhecidos, além de se apoiar em uma forte vontade política de mudar, para valer, as práticas distorcidas, que davam origem à inflação.
Estes três componentes são: 1) alguma solução para os problemas orçamentários crônicos que dão origem ao descontrole monetário que fornece o combustível da inflação; 2) algum método de se eliminar os elementos inerciais institucionalizados com a inflação crônica, tais como a indexação de preços e salários; e 3) a introdução de uma (ou mais de uma) âncora para o sistema de preços.
A concepção original do Plano Real deixou claro que a nova tentativa de estabilização seria baseada na chamada "âncora cambial. Por diversos meios foi transmitida a idéia de que a nova moeda, o real, teria paridade de um para um com o dólar. E para tanto houve uma fase "preparatória, que consistiu em acumular muitos dólares no Banco Central (comprados com a emissão de moeda inflacionária).
A importância de se adotar algum padrão para a ancoragem do nível de preços é uma lição que se aprendeu com a experiência internacional de luta contra a inflação elevada nos anos 80.
Sem âncoras nominais que disciplinem a ação das autoridades econômicas, a inflação elevada reaparece facilmente, quer como resultado do know-how acumulado pela sociedade em conviver com os preços em alta, quer por oportunismo dos governantes que vêem na expansão da economia uma forma de obter popularidade fácil.
O conhecimento reunido com as experiências bem-sucedidas de estabilização nos anos 80 foram úteis para a formulação do Real e para evitar vários erros conhecidos. Mas hoje há um erro notório sendo repetido: o câmbio está muito defasado.
Um bom plano de estabilização necessita contar com boa base técnica e política. Mas o fundamental para a estabilidade dos preços ao longo do tempo é que as normas adotadas possam gerar expectativas de que a inflação alta não será mais tolerada no futuro.
Os planos que não conseguem mudar o modo como se geram as expectativas na economia fracassam, em mais ou menos tempo.
A conjuntura atual da economia mostra que o Real está bem-implantado e deve manter a inflação baixa nos próximos meses. Contudo, é um fato que as expectativas de estabilidade ainda estão longe de terem sido consolidadas.
A razão principal disso é que a defasagem cambial acumulada em relação às médias históricas da taxa de câmbio real tornou-se muito significativa. O dólar custa hoje cerca de 50% do que custava em 1992!
Um tal desnível no valor do dólar/real irá ser corrigido, quer no presente, quer em um futuro não muito distante. A tentativa de flexibilização da banda cambial anunciada em março passado deixou claro que o governo reconhece isso.
A única dúvida é se o melhor caminho seria ter feito uma correção drástica já em março ou se é melhor uma correção gradual ao longo dos próximos meses.
Com a taxa de câmbio defasada e o país caminhando para um déficit significativo em contas correntes, o governo decidiu manter a taxa de juros domésticas em níveis elevadíssimos para atrair capitais que possam financiar o excesso líquido de importações.
Mas tal desnível da taxa de juros não pode ser mantido e o câmbio precisa ser corrigido, ainda que isso traga de volta alguma alta temporária dos preços. Apesar de difícil, a realidade dos fatos pede tal correção.
Vários indicadores importantes (déficit comercial, juros de agiota, crescimento dos endividamentos interno e do externo) apontam desequilíbrios significativos. Para que esperar que as distorções se acumulem mais?

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