São Paulo, domingo, 4 de junho de 1995
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O detonador pós-nuclear

ROB EDWARDS
DA "NEW SCIENTIST"

O "mercúrio vermelho", um explosivo químico fortíssimo de cuja existência muitos especialistas duvidam, talvez exista de fato -e pode representar uma grave ameaça às tentativas mundiais de controlar a disseminação das armas nucleares.
Novas informações que vazaram da África do Sul, da Rússia e dos EUA convenceram importantes cientistas nucleares que os riscos potenciais do explosivo precisam ser levados a sério.
Os cientistas em questão, entre os quais figuram Sam Cohen, o físico nuclear norte-americano que inventou a bomba de nêutrons, e Frank Barnaby, ex-diretor do Instituto Internacional de Pesquisas para a Paz, em Estocolmo, temem que com o mercúrio vermelho fique muito mais fácil para grupos ou nações terroristas construir armas de fusão termonuclear pequenas porém letais.
Eles querem que sejam impostos controles mais rígidos sobre o comércio internacional de trítio, uma das matérias-primas da bomba de fusão.
"Não quero soar melodramático, diz Cohen, que trabalhou no Projeto Manhattan de construção da bomba atômica, nos anos 40, e foi conselheiro de armas nucleares do governo dos EUA junto à Rand Corporation durante 20 anos.
"Mas o mercúrio vermelho é real e é aterrador. Acho que faz parte de uma arma terrorista que pode assinalar o fim da sociedade organizada enquanto tal, diz.
Ele afirma que o mercúrio vermelho poderia ser usado para fabricar uma bomba de nêutrons do tamanho de uma bola de beisebol e capaz de matar tudo dentro de um raio de 600 metros da explosão.
Barnaby, um respeitado analista de armas nucleares que vem pesquisando o mercúrio vermelho há seis anos, se mostra mais cauteloso. Ele admite que houve vários casos em que ofertas de venda de mercúrio vermelho por preços enormes revelaram ser falsas.
Mas ele acredita, "considerando hipóteses prováveis, que um forte explosivo, baseado no mercúrio e capaz de revolucionar a composição das armas nucleares, foi criado na ex-União Soviética.
As últimas evidências que passaram por suas mãos são dois documentos vazados para a organização não-governamental Greenpeace, aparentemente de uma ex-unidade de produção de mercúrio situada na África do Sul.
Os documentos detalham especificações químicas de uma substância chamada "mercúrio vermelho 20:20, um composto de mercúrio puro e óxido de antimônio de mercúrio, descrito como "vermelho-cereja e "semilíquido.
O documento parece fazer parte de um pedido, oriundo de um comprador desconhecido, de fornecimento de "4 a 10 frascos por mês da substância.
Um dos documentos, datado de 2 de abril de 1990, é dirigido a Wolfgang Dolich, da empresa química de propriedade britânica Thor Chemical, em Speyer, perto de Mannheim, Alemanha.
Dolich, que na época era gerente de vendas e hoje é o diretor da empresa na Alemanha, não recorda quem lhe enviou o documento e não conseguiu decifrar a assinatura, ilegível.
Mas ele acha que o documento é um dos muitos pedidos de produtos à base de mercúrio que ele costumava receber. Dolich diz que provavelmente passou o pedido à outra fábrica da empresa, em Cato Ridge, Natal, África do Sul, que até poucos anos atrás produzia compostos à base de mercúrio.
Mas Dolich disse à "New Scientist que o pedido não teria dado em nada porque a Thor, que dirige companhias químicas em sete países e tem sua sede em Margate, Kent, Inglaterra, nunca esteve envolvida na fabricação de mercúrio vermelho.
O documento contém um bilhete manuscrito dizendo "Anexo a esta tudo que temos sobre mercúrio vermelho e assinado "Alan.
Dolich acha que a pessoa em questão pode ter sido Alan Kidger, diretor de vendas da Thor em Johannesburgo, que foi misteriosamente assassinado em novembro de 1991.
Os investigadores da polícia sul-africana acreditam que seu assassinato estaria ligado ao comércio clandestino de mercúrio vermelho, embora a empresa o negue.
Barnaby acha que as especificações contidas nos documentos são cientificamente dignas de crédito, embora nem sempre sejam fáceis de compreender.
São semelhantes a outros que ele já viu vindos da Rússia, da Alemanha e da Áustria e reforçam seu ponto de vista de que existe um comércio internacional significativo de mercúrio vermelho.
Em colaboração com dois outros respeitados cientistas da Itália e dos EUA, cujos nomes se negou a revelar, Barnaby está tentando ativamente adquirir uma pequena amostra de mercúrio vermelho para que suas alegadas propriedades possam ser adequadamente testadas em laboratório.
O grupo de Barnaby já conversou com quatro cientistas russos cujos nomes não revelou. Barnaby diz que os quatro forneceram informações detalhadas sobre o mercúrio vermelho.
Com base nessas informações, Barnaby concluiu que se trata de um polímero com consistência semelhante à de um gel, no qual o mercúrio e o antimônio foram juntados após irradiação por até 20 dias num reator nuclear.
Barnaby diz que o óxido de antimônio de mercúrio é produzido em "quantidades relativamente grandes numa determinada fábrica química.
O mercúrio vermelho em si, segundo Barnaby, foi produzido pela primeira vez em 1965 num ciclotron (acelerador de partículas) no centro de pesquisas nucleares de Dubna, perto de Moscou, e hoje é produzido em "vários centros militares russos, incluindo o de Krasnoyarsk, na Sibéria, e de Penza, 500 km ao sul de Moscou. Um cientista russo estima que a Rússia produza cerca de 60 kg de mercúrio vermelho por ano.
Barnaby argumenta que o gel, além de ter possíveis utilizações nas armas de fissão, poderia liberar suficiente energia química, quando comprimido, para derreter átomos de trítio e produzir uma explosão termonuclear.
Ele diz que possivelmente o gel já esteja incorporado às armas russas de nêutrons, como o morteiro M-1975 de 240 mm.
Se for verdade, o mercúrio vermelho seria um material notável que poderia ter implicações dramáticas para a produção de energia, além da tecnologia de armas.
Mas sua existência é posta em dúvida, não apenas pelos governos britânico, norte-americano e alemão mas também por críticos independentes.
Dois dos mais notáveis destes são Joseph Rotblat, professor emérito de física na Universidade de Londres, e Ted Taylor, um dos mais importantes projetistas de bombas do laboratório norte-americano de armas nucleares em Los Alamos, na década de 50.
Taylor observa que a única maneira concebível de se obter os altos níveis de energia química que se afirma que o mercúrio vermelho possui seria deslocar os elétrons internos de mercúrio e antimônio.
Mas ele afirma que é difícil ver como isto poderia produzir uma substância que fosse estável por tempo suficiente para ser utilizada como explosivo. "Eu apostaria que ela não existe, disse.
Apesar de seu ceticismo, Taylor acredita que as potenciais implicações da substância são tão significativas que deveria ser pesquisada.
A descoberta de um material capaz de liberar centenas ou milhares de vezes mais energia química do que o TNT poderia ser "mais importante do que a fissão nuclear, diz ele. Poderia revolucionar as viagens espaciais, além de possibilitar uma nova e temível categoria de armas de fusão nuclear.
"Espero que tudo isto seja mentira, mas talvez não o seja, diz ele. Taylor concorda com Barnaby e Cohen, dizendo que o comércio de trítio deveria ser sujeito às mesmas salvaguardas que o de plutônio e o urânio altamente enriquecido, ingredientes essenciais das bombas de fissão.
Cohen, porém, afirma que o mercúrio vermelho é um integrante da nova classe de materiais altamente explosivos que está sendo pesquisada em segredo por cientistas de armas nucleares nos EUA.
Ele cita um memorando que recebeu recentemente dos Laboratórios Nacionais Sandia, o centro de engenharia de armas nucleares situado no Novo México, que descreve esses materiais como sendo "balotécnicos.
Segundo o memorando, isso significa que "sob determinadas condições a energia química obtida "pode ser maior do que aquela obtida dos altos explosivos.
Bob Graham, pesquisador sênior do laboratório Sandia, diz que cunhou o termo "balotécnica para descrever dispositivos que produzem calor depois de serem expostos a um choque.
Mas ele insiste que isso não possui conexão com o mercúrio vermelho, cuja existência descarta. "Graham não está autorizado a falar abertamente sobre isso, mas eu estou, contesta Cohen.

Tradução de Clara Allain

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