São Paulo, domingo, 4 de junho de 1995
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Um destino indeterminado

SÉRGIO AUGUSTO
DA SUCURSAL DO RIO

Alvaro Lins manteve correspondência com diversos escritores e intelectuais. Metódico, guardou muita coisa, em pastas separadas. Do escritor católico francês, Georges Bernanos (1888-1948), refugiado no Brasil durante a guerra, recebeu algumas cartas escritas a mão, em francês e frequentemente cheias de elogios ao destinatário. Numa delas, de 1942, Bernanos pressagia: "O Brasil precisa de um grande crítico, capaz de desanimar os diletantes, desviar da facilidade os jovens escritores do futuro e torná-los exigentes e seguros. Você será esse crítico.
Para outro estrangeiro foragido do nazismo, Otto Maria Carpeaux (1900-1978), Lins já era esse crítico em 1940. Foi em setembro daquele ano que os dois começaram a trocar cartas. O austríaco Carpeaux, que ainda se assinava com seu verdadeiro nome, Karpfen, morava então em São Paulo, com a mulher, Helena. Embora só escrevesse em francês, já lia bem o português e tinha intimidade com a literatura brasileira e as idéias dos nossos principais pensadores.
Carpeaux não sabia, àquela altura, que destino teria nestas paragens. Quase foi para Recife, num arranjo de Lins com Gilberto Freyre, esteve ameaçado de trocar o Brasil pelo México, mas acabou ficando. Só que no Rio, onde, ao chegar da Europa, em meados dos anos 30, passara três meses funestos.
Também católico e discípulo confesso do teórico italiano Benedetto Croce, Carpeaux acabaria trabalhando como crítico literário e editorialista no mesmo jornal, "Correio da Manhã, onde Lins pontificava na década de 40.
Era um epistoleiro quase compulsivo, admirador incondicional de Lins, que muito o ajudaria, e de Gilberto Freyre, a quem venerava. Freyre e Alceu Amoroso Lima (outro com quem Lins manteve intensa correspondência) eram os únicos pensadores brasileiros respeitados por Carpeaux, que considerava nossa literatura científica "primária, ilegível, escandalosa, cheia de classificações arbitrárias e desprovida de idéias, dominada por polêmicas grosseiras e elogios orgulhosos, conforme consignou numa carta datada de 31 de outubro de 1940.
Sua afeição pelas nossas "belles lettres era bem maior, segundo ele, que a de Lins. Na prosa, destacava Joaquim Nabuco, Machado de Assis ("cujo único defeito é ser um grande europeu), Euclides da Cunha, José Lins do Rego, Graciliano Ramos, Lúcio Cardoso e Jorge Amado (que se tornaria, mais tarde, um de seus maiores desafetos). Considerava Manuel Antônio de Almeida "muito superior a Walter Scott e encantou-se com a "delicadeza mórbida de Raul Pompéia e a "curiosidade de Graça Aranha.
Entre os poetas vivos, destacava Bandeira, Drummond e Murilo Mendes. Dos mortos, Raimundo Correia, Alphonsus de Guimaraens e Cruz e Souza ("uma mistura, mais latina e mediterrânea, de Baudelaire com Rimbaud) eram os que mais o entusiasmavam. Achava Gonçalves Dias e Castro Alves joios do mesmo saco. Não tinha em melhor conta Álvares de Azevedo ("sub-Lamartine) e Casimiro de Abreu ("sub-Musset).
Carpeaux jamais aderiu à máquina de escrever. Nem sequer na redação do "Correio da Manhã. Era mesmo um homem do século 19.

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