São Paulo, domingo, 4 de junho de 1995
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velho oeste de brasileiro

Marilene Felinto

MARILENE FELINTO
VELHO OESTE DE BRASILEIRO

Quem já teve que lidar com polícia sabe a miséria que é. Somos jogados da violência do bandido para a truculência do policial -e ainda tendo que se considerar uma pessoa de sorte, por nunca ter a polícia prendido ou atirado em parente ou amigo seu, por engano em ato de exibicionismo ou coisa que o valha.
O Brasil é assim, terra de ninguém. A gente se sente desprotegido. Basta pensar no caso Chico Mendes, o sujeito tendo avisado mais de uma vez que ia ser assassinado. Foi. E os assassinos estão por aí, soltos.
A meia dúzia de assaltos de que já fui vítima me pôs mais de uma vez em contato com a polícia. Numa das últimas vezes, em Itanhaém, litoral sul de São Paulo, me espantou a ineficiência, a impotência da autoridade policial diante dos três assaltos quase seguidos que minha casa sofreu.
No episódio mais recente, foi a polícia que me procurou.
Esperando o embarque de um vôo para a Europa, aeroporto internacional de São Paulo, um policial federal me pediu passaporte e passagem. Estranhei a abordagem, pois já tinha passado pelas barreiras legais antes do embarque. Perguntei por quê. O homem disse que era praxe.
Aleguei que podia ser praxe para ele, não para mim. Pedi que se identificasse, não quis. Exigi um responsável, ele disse que ali não havia responsável e me pediu para acompanhá-lo. Armou-se um fuzuê.
Começou a revistar minha bagagem de mão, como se fosse o dono do mundo. Achou que me intimidava, que eu ia me encolher feito passarinho molhado pela chuva.
Comecei o escândalo, exigindo explicação. Até que apareceu o “responsável”. Quando eu disse que era escritora e jornalista viajando a trabalho, ele se identificou, cheio de agrados, explicando que o vôo estava na rota do tráfico de drogas. Haveria um possível flagrante para eu cobrir, como jornalista.
Enquanto seu subalterno me olhava com cara de tacho, o responsável quis me mostrar o esquema de fiscalização. Fomos para o outro lado do detector de metais. Ele tirou o revólver de dentro da camisa, pôs dentro de uma bolsa e na esteira por onde passa a bagagem de mão. Vi a arma desenhada na tela.
Recusei a cumplicidade, não esperei para ver a palhaçada do flagrante, se é que houve. Meus direitos haviam sido desrespeitados. Não aceitei o remendo cínico feito para a escritora-jornalista.
Homens brutos, sem lei, tratariam a pontapés indivíduos comuns, sem credenciais. O policial responsável era carioca. Imaginei-o invadindo a favela com a mesma delicadeza da metralhadora Uzi a recebê-lo no topo do morro. Em terra de ninguém, olho por olho.

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