São Paulo, segunda-feira, 5 de junho de 1995
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Não é boa, por quê?

BEATRIZ SIDOU

A singeleza com que o autor da resenha que abre o primeiro número deste ``Jornal de Resenhas" faz um comentário sobre tradução minha que ``infelizmente não é boa", me compele a perguntar, sem nenhuma arrogância: não é boa, por quê? Não é boa porque não está de acordo com o ``Ensaio Sobre os Elementos de Filosofia", de d'Alembert, não é boa por conter erros, ou simplesmente não é boa porque não é do gosto do resenhista?
Se não é boa porque contém erros, seria útil para o leitor que esses erros fossem indicados. Utilíssimo para mim e para muitos outros tradutores que fazem seu trabalho interessadamente, pois uma crítica (de verdade) ajuda a aperfeiçoar nosso trabalho. Jamais seria possível agradar a todos os gostos, mas é perfeitamente possível detectar erros e corrigi-los.
Como o autor da ``crítica" em questão é professor de filosofia, deve saber que, no vocabulário filosófico, a crítica opõe-se ao dogmatismo. Destruir dogmaticamente era a especialidade de Átila, o huno (aquele, da retórica). O objeto de qualquer crítica é resultado de um trabalho e qualquer trabalho envolve a dignidade do(s) envolvido(s). Emitir uma opinião pessoal no tom à vontade deste resenhista (? - crítico? - huno?) torna-se grave, sobretudo se o autor se expressa em nome de instituição com o peso da Universidade de São Paulo numa outra, como a Folha, mídia de abrangência até internacional; é algo que pode ter consequências para o leitor desavisado e para as pessoas que trabalharam (muitas pessoas trabalham num livro) para levar ao público que não fala a língua francesa a obra, neste caso, de um pensador importante, como d'Alembert.
Erros podem ser corrigidos. Mas nada se pode fazer com um dogma: é opinião, fé, um absoluto que não pode ser questionado. Quando um professor da Universidade de São Paulo em mídia nacional expressa o seu des-gosto, com um advérbio que serve de adjetivo enfático -infelizmente, a tradução não é boa-, só cabe a pergunta: não é boa, por quê? Sob o risco de ver meu pescoço cortado pelo estigma do dogma. Prezo meu trabalho.

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