São Paulo, quinta-feira, 8 de junho de 1995
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Promiscuidade

Como é possível ao mesmo tempo aumentarem, de um lado, o nível de inadimplência e o número de cheques pré-datados e, de outro, os depósitos nas cadernetas de poupança? Afinal, ao menos em teoria, quando as pessoas consomem mais e se endividam mais, em algum momento elas terão que resgatar suas aplicações financeiras para pagar a conta do cheque especial ou fazer frente a prestações.
O paradoxo tem uma explicação, ao menos no Brasil. Basta que um alto dirigente de banco estatal determine que um gigantesco fundo de pensão do mesmo banco deposite recursos dos quotistas no próprio banco. No caso, os nomes dos bois são Banco do Brasil e Previ.
A ``maquiagem" aliás servia aos propósitos da política econômica. Num ambiente de preocupações crescentes com a saúde do plano de estabilização, mostrar aumento da poupança doméstica certamente ajuda a confortar os observadores mais críticos, especialmente no mercado financeiro.
O episódio é administrativa e eticamente lamentável tanto na ponta do captador dos recursos, o Previ, quanto na ponta do tomador, o Banco do Brasil. O Previ capta recursos dos funcionários (e muito mais ainda do próprio BB) para administrá-los segundo princípios de risco, rentabilidade e objetivos atuariais atinentes aos seus fins previdenciários. Certamente não se enquadra nesses princípios atender a solicitações de dirigentes de instituições públicas.
Para piorar as coisas, o presidente do fundo de pensão estatal recorreu ao ridículo pretexto de direcionar recursos à poupança do BB por temer que a rede privada não suportasse o aperto ao crédito implementado pelo governo. Fala-se muito, e acertadamente, na necessidade de reformas que conduzam a privatizar, liberalizar e desregulamentar os mercados financeiros. A promiscuidade entre agentes financeiros estatais do peso de um BB e do Previ não apenas confirma o acerto dessas reformas como as torna ainda mais urgentes.

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