São Paulo, quinta-feira, 8 de junho de 1995
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Petróleo e empulhação

GILBERTO DIMENSTEIN

BRASÍLIA - Por trás do debate sobre a quebra do monopólio do petróleo, decidida ontem no Congresso, perdurou uma monumental empulhação: encarar um combustível fóssil como símbolo da nacionalidade e motivo de orgulho cívico. É um vigoroso sintoma de indigência.
Essa indigência torna-se particularmente visível quando o mundo é movido pelas tecnologias de informação. Nada mais de acordo com as relíquias mentais do que os segmentos corporativos se apegados tanto a um produto mineral, tentando mesclá-lo com a bandeira brasileira.
Símbolo da nacionalidade deveriam ser nossas escolas públicas -e são uma catástrofe. Ou nossa produção científica, visando reduzir a exclusão social -outra gigantesca catástrofe. Salvo as ilhas de excelência, as universidades caem aos pedaços.
Motivo de orgulho é não existir crianças de rua, aposentados vivendo como mendigos; é não existir tamanha taxa de mortalidade infantil ou pessoas morrendo por doenças curáveis nas filas dos hospitais. É um país não ser afogado pela criminalidade e disseminação da violência.
O petróleo é apenas um combustível estratégico. E, com a quebra do monopólio, temos a chance de aumentar a produção, gerando mais empregos e investimentos. Quem sabe, enfim, seremos auto-suficientes em petróleo, evitando saída de dólares.
Além da empulhação, digamos, cultural, o petróleo produziu empulhação funcional. Todos viram que, na verdade, o petróleo não é nosso, mas dos funcionários da Petrobrás, com seus salários e benefícios muito acima da média do trabalhador brasileiro.
Fiz, aqui, várias colunas condenando a greve dos petroleiros. Mas diante do resultado ontem na Câmara sinto-me obrigado a reverenciar a insensatez como um auxílio ao progresso do Brasil e não de um grupo de privilegiados funcionários.
É um grande passo para que tentemos conquistar a mais importante das auto-suficiências -a auto-suficiência de cidadania.

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