São Paulo, domingo, 11 de junho de 1995
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Benefícios e vantagens corporativistas criam no Brasil ilhas de privilegiados

CYNARA MENEZES
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Leis antigas, artigos constitucionais e benefícios autoconcedidos fazem com que alguns brasileiros levem vantagem sobre a maior parte da população.
Os privilégios incluem aposentadorias e pensões especiais, isenção de impostos e até entrada gratuita em cinemas e teatros.
O caso mais gritante é o das pensões (indenizações pagas a dependentes) militares, responsáveis hoje pela metade de tudo que é gasto pela União com pensões.
Graças a uma lei de 1960, filhas e irmãs solteiras de militares têm direito a uma pensão vitalícia se não casarem. ``É uma vergonha", diz o secretário de Previdência do Ministério da Previdência, Marcelo Estêvão.
O governo pretende acabar com a pensão desse verdadeiro exército de solteironas na reforma da Previdência, por meio de uma emenda que reduz as diferenças entre a aposentadoria dos servidores públicos e a dos trabalhadores de maneira geral.
Isto não vai atingir, porém, quem já recebe, porque é direito adquirido. Mas pode acabar com outra distorção que gera mais um privilégio: os servidores públicos se aposentam com um salário superior ao que tinham na ativa.
Ainda no item pensões, mais um privilégio chama a atenção. O Executivo criou as ``pensões graciosas", que são dadas a pessoas consideradas com mérito para recebê-las.
Entre os beneficiados pelas ``graciosas" -assim chamadas porque são tidas como uma ``graça" concedida- estão quatro trinetos de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes.
``Vamos venerar a morte de Tiradentes de outra maneira", diz o deputado federal Augusto Carvalho (PPS-DF). ``Não é bajulando os trinetos dele que vamos comemorar nossa independência", critica.
Carvalho vem acompanhando os gastos da União no Siafi (Sistema Integrado de Administração Financeira), um sistema de computadores que dá acesso aos gastos do Tesouro e que forneceu os números exclusivos que ilustram esta reportagem.
Outro privilégio foi dado recentemente aos advogados, que fizeram aprovar em seu estatuto um artigo que não permite a prisão de membros da classe senão em salas, além de especiais, confortáveis.
Como eles, os pilotos comerciais, mesmo que tenham sido presos pilotando um avião para traficantes de drogas, não se misturam com os criminosos comuns.
A vida também é melhor para os servidores públicos federais. Segundo o Ministério da Administração Federal e da Reforma do Estado, ao contrário de quase todo mundo, os servidores só trabalham seis horas por dia.
Nenhuma lei diz isso: a iniciativa foi deles mesmo, mas vai durar pouco. Até o final do mês, o presidente Fernando Henrique Cardoso vai editar um decreto que obriga os funcionários a cumprir o horário legal de 40 horas semanais ou oito diárias.
A casta dos privilegiados inclui ainda as entidades religiosas e obras de assistência social, que são isentas do pagamento de qualquer imposto, segundo a Constituição.
``É aí que se instala a pilantropia no lugar da filantropia", diz o deputado Alexandre Cardoso (PSB-RJ), um dos que tentaram pôr fim à isenção na semana passada na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara -sem sucesso.
Sucessivos governos têm se mostrado impotentes para exterminar essas benesses. O mesmo governo FHC que vai acabar com a mordomia das seis horas de trabalho do funcionalismo está prestes a criar um novo privilégio.
Apadrinhados por alguns dirigentes da cúpula da Receita Federal, os TTNs (Técnicos do Tesouro Nacional) devem conseguir, ninguém sabe com base em que legislação, equiparação salarial com os AFTNs (Auditores e Fiscais do Tesouro Nacional).
Nasce, assim, uma nova casta de supersalários: os técnicos do Tesouro, que não têm curso superior, poderão ganhar até R$ 2.500, enquanto um médico da Fundação Hospitalar do DF, por exemplo, recebe entre R$ 800 e R$ 1.000.
E ninguém sabe explicar o que faz um técnico do Tesouro, um burocrata dos números, ser mais importante que um médico, responsável por vidas humanas.

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